São Paulo, quinta-feira, 17 de março de 1994
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A candidatura FHC e "a vez do centro"

MARIA VICTORIA BENEVIDES

A "tristeza e a relutância" confessas não foram sentimentos suficientes para impedir José Arthur Giannotti de defender, com brilho e entusiasmo, a sua opção pelo centro, criticando a esquerda petista e exaltando a "racionalidade" e o "efeito regenerador" da candidatura FHC (Tendências/Debates, 13/03). A meu ver, em que pese a evidente legitimidade de uma tomada de posição pró-Fernando Henrique, o texto tem equívocos e omissões, de forma explícita ou implícita. Vejamos.
Segundo o autor, depois do trauma Collor, o eleitorado ("que tende a ser conservador") está cansado de "modernidade" e quer "racionalidade". O texto não permite uma compreensão clara do que entende por uma e outra, mas o ponto em questão é a própria escolha do binômio explicativo. Racionalidade versus modernidade combina com uma boa discussão acadêmica, mas não para analisar, na presente conjuntura, o estado de espírito do eleitorado diante da cena política.
Creio que uma análise menos sofisticada, porém de acordo com dados da quase totalidade das pesquisas de opinião pública, revela que a distinção, na cabeça e no coração do povo, se dá entre seriedade versus leviandade. Seriedade entendida como honestidade e coerência na adesão a princípios, no compromisso com projetos de interesse público e popular, na transparência do que está por trás dos arranjos partidários e, no caso atual, dos interesses reais que pautam as decisões e a cronologia do plano econômico. Leviandade seria o oposto: a idéia de "politicagem", oportunismo, predominância de ambições pessoais sobre interesses públicos.
Resumindo, seriedade se confunde com credibilidade –e esta parece abalada pelas recentes viravoltas na biografia política do ministro (inegavelmente uma grande expressão de homem público), pela sua ambiguidade em relação ao cargo, à candidatura e às alianças, e, sobretudo, em relação ao aproveitamento pessoal de um eventual sucesso do plano.
Esse dado crucial da credibilidade é indissociável de uma segunda questão, a qual aparece no texto de forma implícita: o binômio coerência ética versus pragmatismo político. FHC é elogiado por sua sagacidade, sua prudência e sua paciência –embora tenha "cedido" muito mais do que o articulista gostaria. A decepção do autor está registrada, mas o ponto é exatamente este: até onde se pode "ceder" sem perder a compostura? Em nome do que e de quem?
Giannotti afirma que a direita "não possui um candidato eleitoralmente palatável" e que o PT está isolado –daí a importância do centro e da opção por alianças com a própria direita, alianças que, digo eu, sempre foram consideradas espúrias tanto para a esquerda "radical" quanto para a social-democracia, da qual supostamente brota o candidato "racional".
A direita, ao contrário do que diz o filósofo, não está "em busca de um aventureiro", mas de um populista, no sentido tradicional de nossa história política. Há muito tempo, "racionalmente", a direita se deu conta de que, com o princípio majoritário e 70% do eleitorado "povão", ela só terá chances apoiada no disfarce do discurso populista. Não quer um aventureiro, mas um bom ator; não quer o carismático –que seria um populista independente–, mas um ator seguro e confiável. Esta é a sua racionalidade, a sua lógica.
FHC é um excelente ator político, e o magistral "timing" de seu plano econômico é o melhor exemplo desse talento: se der certo, será um imbatível trunfo eleitoral; se der errado, será o principal argumento para "uma volta por cima", o único capaz de "endireitar o plano", como o salvador, aqui d'el rey! Nada melhor para exemplificar a estratégia de um novo e elegante populismo.
A racionalidade em nome da opção de centro também peca pela base. O que é centro no Brasil? Desde sempre a virada para o centro significou cair nos braços da direita. Hoje, uma aliança de centro-esquerda não poderia excluir o PT; se não dá para ser com ele, então não apenas será com a direita, mas contra ele. Giannotti não pode ignorar que, querendo ou não, a candidatura FHC só adquire força se for efetivamente anti-Lula. Como em 1989, vale tudo para derrotá-lo, e é isso que esperam os grandes apoiadores do ministro.
A candidatura anti-Lula é perfeitamente racional –aí sim, vamos falar de racionalidade e modernidade à moda collorida– pois não existe outra possibilidade em eleição de dois turnos, necessariamente polarizada. O centro é, por definição, uma posição equidistante dos extremos. Ora, como insiste Maurice Duverger, no primeiro turno escolhe-se, no segundo, elimina-se. E o centro, como fica nesta lógica da eliminação pelos extremos? A opção pefelista já diz tudo: é direita mesmo.
O articulista exagera, em muito, as lutas internas no PT. O PT não está paralisado e a melhor prova disso é a discussão ampla e aberta de um programa de governo –o que nenhum partido ou candidato logrou realizar. Em vez de se preocupar tanto com a possibilidade de Lula "alijar os ranços leninistas" do partido, seria mais prudente questionar a possibilidade de FHC –afinal, o seu candidato– "empurrar os radicais de direita" de seu próprio partido (que conta com expoentes como Albano Franco, Aureliano Chaves) e explicar claramente o que dará em troca de um apoio de Antônio Carlos Magalhães, Jarbas Passarinho e outros do mesmo escol.
Em 1989, Collor explicou direitinho: daria em troca, simplesmente, a derrota de Lula e do campo democrático-popular. Deu no que deu.

MARIA VICTORIA DE MESQUITA BENEVIDES, 51, socióloga, é professora do Departamento de Filosofia da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) e diretora da Escola de Governo. É autora, entre outros livros, de "A Cidadania Ativa" (Editora Ática, 1992) e "O Governo Kubitschek" (Editora Paz e Terra, 1976).

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