São Paulo, quinta-feira, 17 de março de 1994
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'De repente, começou a chover na mata'

DO "TRAVEL/THE NEW YORK TIMES"

Continuação da pág. 6-6

Depois de um percurso curto de lancha, fomos até uma trilha no meio da floresta. Janet Israel, nascida em Manaus e formada pela Universidade de Tennessee, nos acompanhou juntamente com outro guia, Raimundo Nonato, um mestiço de indígena amazônico que levara um facão para ajudar a abrir caminho pela mata.
O Ecopark ainda é pouco conhecido, recebendo cerca de 300 visitantes por mês. Embora seja possível fazer os passeios em até 25 pessoas de cada vez, frequentemente há muito menos do que isso. Havíamos atracado num pequeno desembarcadouro, sede de um projeto governamental abandonado, onde a margem arenosa se estendia por mais de 30 metros antes da floresta tomar conta. Janet Israel explicou que a toda aquela areia sempre esteve lá: o solo amazônico é muito fino, com apenas algumas polegadas de material orgânico, reciclado constantemente para nutrir a floresta. Quando a vegetação é retirada –para fins agrícolas, por exemplo– o que sobra é um solo arenoso e pobre.
O ar estava úmido mas não quente demais e felizmente não havia mosquitos, que não se dão bem com as águas do rio Negro. Passávamos por cima de raízes e cipós e às vezes atravessávamos pinguelas sobre igarapés, mas de modo geral a trilha não era enlameada ou difícil de seguir. A chuva ficara retida nas copas das árvores, muito acima de nossas cabeças, e o chão da floresta mal se molhara. A luz solar direta raramente chega ao chão.
A floresta ressoava com zumbidos, pios e chilrear de pássaros, mas a maior parte dos insetos e aves se mantinha invisível.
Existem 10 quilômetros de trilhas dentro do Ecopark, e a que estávamos seguindo era uma antes utilizada num curso de sobrevivência na selva, que ensina as técnicas usadas pela população indígena para obter água, comida, abrigo, material de construção e medicamentos naturais da floresta. Essa trilha também é usada para um passeio de dia inteiro, que custa US$ 50 (CR$ 35,8 mil) e inclui almoço.
Na primeira parada, Raimundo Nonato fez um corte com seu facão na casca de uma árvore e um fluído branco começou a vazar. Janet Israel sugeriu que pegássemos um pouco e o rolássemos entre os dedos. Era o látex da borracha, é claro, uma das riquezas que atraiu europeus à Amazônia e que fez de Manaus, no centro do sistema fluvial amazônico, uma das cidades mais ricas do mundo por alguns anos, no início do século.
Passamos por modelos de armadilhas para pequenas aves e felinos grandes. Eram armadilhas e fossas recobertas, feitas de troncos, cipós e cordas de cascas de árvore, construídas com fins educativos. Ao longo da trilha havia alguns abrigos improvisados onde se poderia passar uma noite e algumas plataformas de dormir um pouco mais elaboradas, semelhantes àquelas utilizadas pelos índios nas caçadas.
Os guias nos mostraram outras árvores que seriam úteis para a sobrevivência. A resina branca e doce da sorveira é uma fonte comestível de proteína. Com as folhas do buritizeiro pode-se fazer telhados para abrigos provisórios. O látex da copaíba é utilizado na medicina popular, e sob forma refinada constitui uma pomada antiinflamatória muito usada no Brasil, onde é vendida sem receita médica.
Várias das árvores maiores têm raízes que saem de seus troncos a uma altura de até três ou quatro metros acima do chão, funcionando como escoras. Trata-se de uma adaptação importante para a sustentação de árvores tão grandes, já que elas possuem raízes pouco profundas, em função do solo raso. Formigas venenosas, roedores e outros animais de pequeno porte se abrigam nas numerosas cavidades situadas na base dessas árvores.
Um arranhão feito em outra árvore, o breeiro, produz um óleo que é utilizado para fazer fogo; um pauzinho embebido nesse óleo queima com uma chama forte e duradoura. Janet Israel utilizou um fósforo para demonstrar (o método mais trabalhoso de friccionamento é a maneira tradicional de iniciar o fogo). A fumaça deste fogo tem ainda o poder de repelir os insetos.
Depois de uma hora e meia de caminhada, pontuada por frequentes paradas para demonstrações, saímos da floresta perto do ponto onde havíamos começado, na margem do rio. Em meio dia havíamos tocado em macacos soltos, ouvido centenas de bichos que não pudemos ver e sentido o cheiro da floresta. (Alan J. Friedman)

Tradução de Clara Allain

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