São Paulo, sexta-feira, 18 de março de 1994
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Robert Altman joga com dilemas morais

MARIE COLMANT
DO "LIBÉRATION"

Depois de "O Jogador" que mergulhava nos bastidores da indústria do cinema em Hollywood, Los Angeles e seus habitantes servem, mais uma vez, de tema para o diretor americano Robert Altman. Em seu novo filme, "Short Cuts - Cenas da Vida", que estréia hoje em São Paulo, Altman mostra o cotidiano de famílias dos subúrbios de LA. Com o filme, baseado em contos do escritor Raymond Carver, o cineasta concorre, pelo segundo ano consecutivo, ao Oscar de melhor diretor. Na entrevista abaixo, Altman fala de como concebeu o filme e de seu novo projeto, "Prêt-à-Porter", que está sendo filmado em Paris.
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Pergunta – Em "Short Cuts" você trata da classe média norte-americana, depois de ter estudado o mundo de Hollywood em "O Jogador"?
Robert Altman – Sim, mas isto é um pouco diferente. Em primeiro lugar porque é uma adaptação de Raymond Carver. Pegamos nove contos dele e os misturamos, como se embaralha cartas de baralho. Eu descobri Carver em 1990, quando retornava de Paris para Los Angeles. Era um vôo de 12 horas e quando terminou eu havia lido três coletâneas de contos de Carver. Eu cochilava e sonhava, misturando as histórias e os personagens. Quando acordei, eu disse a mim mesmo que tinha um filme.
Pergunta – Em quanto tempo você rodou o filme?
Altman – Foi bastante rápido, porque terminamos as filmagens em menos de dois meses. Mas a montagem nos tomou seis meses. Nós tivemos o cuidado de escrever um roteiro muito detalhado, coisa que nos ajudou bastante.
Pergunta – Você declarou que o que te interessava em Carver eram os não ditos, as coisas que ele deixava sem dizer.
Altman – Sim, para que o público faça a conexão. É um processo que acrescenta verdade ao filme: o público injeta nele o que acredita ser sua própria verdade sobre cada personagem. Na verdade, o que eu deixo de mostrar no filme é mais importante do que aquilo que eu mostro.
Pergunta – Você declarou que optou por filmar em Los Angeles por que seus habitantes não estão em seus lugares. O que você quis dizer com isso?
Altman – A maioria dos habitantes de Los Angeles está lá porque não deu certo em outros lugares. É um lugar de trânsito, enorme e heterogêneo. Tive vontade de tirar os telhados de suas casas para olhar dentro delas.
Pergunta – Você estuda esses personagens sem lhes fazer qualquer concessão, por exemplo, os quatro sujeitos que vão pescar, descobrem o cadáver de uma mulher e continuam com sua pescaria.
Altman – Pense bem sobre a situação: aqueles homens fizeram uma caminhada de quatro horas para chegar até a margem do rio. Eles descobrem um cadáver. Se fosse você, será que você teria dado meia-volta e retornado no meio da noite para informar a polícia? Nós refletimos bastante sobre isso, com os atores e com meu co-roteirista, Frank Barhyrdt. Eu, pessoalmente, acho que teria ficado lá, pescando. Frank Barhyrdt disse que teria parado tudo para procurar a polícia. Acho que frequentemente acontece de nos vermos diante de tais dilemas. E quando tomamos uma decisão, sempre procuramos nos justificar depois. Quanto a mim, não sei o que é justo e o que não é.
Pergunta – Sim, mas outro de teus personagens, interpretado por Chris Penn, chega ao ponto de matar...
Altman – Sim, mas ele é um doente. E na medida em que o é, podemos falar de Woody Allen.
Pergunta – Mas Allen não matou ninguém!
Altman – Está certo, mas transou com uma de suas filhas. Não acredito que ele tenha se apaixonado por sua filha repentinamente, acredito que a idéia tenha surgido em sua cabeça aos poucos. Acho isso deplorável, mas as pessoas parecem zombar disso. E se se fala nisso, é apenas por que ele é uma celebridade. A moral é uma coisa delicada demais para que se possa tomar uma posição inequívoca. Todos nós temos zonas problemáticas e todos nós precisamos nos virar com isso em nossa vida cotidiana. O que me interessa é isso: o dilema. E é esse o tema de Carver.
Pergunta – Você vai fazer um filme sobre moda em Paris?
Altman – O verdadeiro tema desse filme é a nudez. Eu gostaria de partir do modo pelo qual todos nós utilizamos as roupas para nos encontrarmos. Eu já sei muitas coisas sobre você só por olhar como você se veste. Quando me lancei nesse assunto, achei que havia assunto sobretudo para risadas. Mas não é verdade, existem também os verdadeiros artistas da moda. É verdade que é um mundo muito específico: egoísta, ambicioso, maldoso, cretino. Em suma, interessante. Haverá muitos personagens, será uma fatia de vida, um pouco à moda de "Short Cuts". Acho que será um filme um pouco idiota.

Tradução de Clara Allain

LEIA MAIS
sobre "Short Cuts - Cenas da Vida" e outras estréias de cinema à pág. 5-6

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