São Paulo, domingo, 27 de março de 1994
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Laudo do IML admite tortura de presa política

FERNANDO MOLICA

FERNANDO MOLICA; GUSTAVO KRIEGER
DA SUCURSAL DO RIO

GUSTAVO KRIEGER
A análise de documentos recolhidos pelo grupo Tortura Nunca Mais revela contradições nos relatórios apresentados pelas Forças Armadas sobre militantes de organizações de esquerda mortos e desaparecidos a partir de 1964. De acordo com Cecília Coimbra, presidente do Tortura Nunca Mais, pelo menos 240 pessoas foram mortas e 144 estão desaparecidas em consequência da repressão aos grupos de esquerda durante o regime militar.
Segundo ela, o projeto Brasil Nunca Mais, da Arquidiocese de São Paulo, apontou 1.843 casos de torturas –este número refere-se apenas às pessoas que denunciaram maus tratos em auditorias militares. No livro "Brasil Sempre", Marco Pollo Giovani lista 98 pessoas –entre civis e militares– mortas em confronto com os grupos de esquerda.
O relatório da Marinha informa que Roberto Cietto, militante do MAR (Movimento Armado Revolucionário), suicidou-se no dia 4 de setembro de 1969, quando, após sofrer um acidente de automóvel, notou "que ia ser recapturado pelos policiais".
Fotos e o laudo de perícia de local recolhidos no IML (Instituto Médico-Legal) do Rio pelo Tortura Nunca Mais mostram que Cietto foi encontrado morto em um banheiro de cela da Polícia do Exército na Tijuca, zona norte do Rio.
"Suicídio"
Seis anos depois, o Exército também apresentaria a versão de suicídio para a morte do jornalista Wladimir Herzog, ocorrida no dia 25 de outubro de 1975, em um quartel de São Paulo. A família de Herzog conseguiu, na Justiça, responsabilizar a União pela morte do jornalista.
Outro documento, um laudo de exame de corpo delito feito no dia 15 de dezembro de 1970, encontrado pela Folha no Arquivo Público do Rio de Janeiro, revela que legistas do Instituto Médico-Legal admitiram a possibilidade da então presa política Dulce Chaves Pandolfi ter sido torturada na prisão.
No laudo, os médicos Hyran Barbieri Costa e Napoleão Tôrres Messias afirmam que as marcas no corpo de Dulce eram compatíveis com os golpes de cassetete e choques elétricos que ela afirmara ter sofrido ao ser presa, quatro meses antes, quando levada para dependências do Exército.
A informação (relatório) número 2805/73, produzida pelo então 1º Exército no dia 1º de novembro de 1973, mostra que Ranúsia Alves Rodrigues, militante do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), foi presa pelo DOI-Codi no dia 27 de outubro daquele ano.
Também em seu relatório, a Marinha revela que órgãos de segurança sabiam que era de José Raimundo da Costa, militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), o corpo enterrado como indigente "através da guia nº 59 expedida pela 24ª DP". Costa foi morto em agosto de 1971.

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