São Paulo, domingo, 27 de março de 1994
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Circuito viveu o auge na década de 70

FLAVIO GOMES
DA REPORTAGEM LOCAL

"Entrelagos" era o nome original. Quando o urbanista britânico Louis Romero Sanson chegou ao Brasil vindo da Venezuela, em 1929, começou a amadurecer a idéia de criar um bairro a 30 km do centro de São Paulo. O projeto incluía uma pista de corridas numa área de relevo interessante, com colinas, platôs e dois lagos.
"Interlagos", sugeriu a filha Jean (se fala "Jim"). Sanson aceitou a sugestão. Em 12 de maio de 1940, com algumas poucas casas ao redor, o autódromo era inaugurado com uma corrida de 25 voltas vencida por Artur Nascimento Jr., intrépido piloto de uma baratinha Alfa Romeo. Prêmio: 60 mil réis.
Naqueles tempos, ir até Interlagos era uma aventura que tinha até pedágio. Pagava-se 400 réis para atravessar uma ponte de madeira sobre o rio Pinheiros, uma grana preta. Era o mesmo preço de um ingresso para um dos camarotes de seis pessoas erguidos por Sanson às custas de 470 metros cúbicos de madeira.
O urbanista era zeloso nas estatísticas de seu circuito. Usou 7.200 metros cúbicos de pedras, 135 km de arame farpado e 435 toneladas de asfalto para fazer a pista de 7.960 metros que entrou para o mapa automobilístico mundial em 30 de março de 72, com a realização do primeiro GP Brasil de F-1.
Nesses 32 anos o autódromo passou das mãos da família Sanson para a Prefeitura de São Paulo, comprado em 1954 por 32 milhões de cruzeiros. Diz a lenda que Louis Romero, dono da Companhia Auto Estradas, estava construindo um hotel de 17 andares diante do circuito e o dinheiro acabou no terceiro piso. Ele poderia lotear o terreno para salvar a empresa, mas preferiu vender Interlagos para preservá-lo.
Hoje o autódromo de Sanson recebe a F-1 pela 13ª vez desde a corrida de 72, que não contou pontos para o Mundial. Quem frequentava o circuito naqueles tempos lembra com nostalgia das noites passadas em barracas de camping, uma marca registrada de Interlagos tanto quanto a multidão dependurada nos muros que cercam a pista.
As provas de F-1 da década de 70 arrastavam nunca menos do que 100 mil pessoas a Interlagos. As arquibancadas fixas eram as mesmas que hoje são chamadas de setor A, na reta dos boxes. O grosso do público se espalhava pelos barrancos e gramados.
Isso tudo acabou no dia 27 de janeiro de 1980. A partir do ano seguinte, o GP Brasil seria transferido em definitivo para o Rio. Interlagos foi para o limbo.
A corrida ficou em Jacarepaguá até 89. Problemas de organização e custos da prova –o aluguel do circuito carioca era muito caro– ameaçaram riscar o Brasil do calendário da categoria. Com Ayrton Senna no auge da popularidade, os homens da F-1 concluíram que tirar o GP daqui não seria um bom negócio. Foi quando surgiu a idéia de ressuscitar Interlagos.
A toque de caixa, uma reforma completa do autódromo foi feita em quatro meses. A maior mudança foi do traçado, encurtado para 4.325 m. Foi o início de uma nova era. As peripécias de Emerson Fittipaldi, José Carlos Pace & cia. tinham ficado definitivamente para trás.
Muita gente lamenta a descaracterização de Interlagos, que perdeu pontos tradicionalíssimos como a Ferradura, as Curvas 1, 2 e 3, o Sargento e o Sol. Mas mais do que mudar de cara, o autódromo alterou seu modo de vida. Barracas e barrancos, nunca mais. Assistir um GP em Interlagos era programa típico de paulistanos e de torcedores do interior, que vinham em caravanas para São Paulo passar um fim-de-semana no melhor estilo "make love, not war".
Hippies e fanáticos em geral acorriam ao extremo sul da cidade para ver, na pista, gente do quilate de Jackie Stewart, Ronnie Peterson, Carlos Reutemann, Niki Lauda, James Hunt, Clay Regazzoni, François Cevert... Quem tinha contas bancárias mais generosas ia para o autódromo de Alfinha GT ou Maverick quatro portas com motor canadense –preço da gasolina não era motivo de preocupação. Parava o carro na rua e, quando voltava, ele estava lá. Intacto.
Em sua primeira fase de F-1, Interlagos festejou três vitórias consecutivas de pilotos brasileiros. Fittipaldi ganhou em 73 e 74 e Pace, em 75. Era o Brasil Grande. No automobilismo, era mesmo. "Emmo", então chamado de "Rato" conquistara o título mundial de 72 pela Lotus e de 74 pela McLaren. "Moco" era uma enorme esperança, que acabou num acidente de avião em 77.
A F-1 em São Paulo em seus primeiros tempos era um evento de proporções gigantescas que mexia com a cidade. As empresas envolvidas na sua organização, que ainda engatinhavam nas estratégias de marketing, faziam de tudo para aparecer. A GM, por exemplo, chegou a ceder moderníssimos e esportivos Chevette GP para os ases do volante, que se hospedavam em hotéis do centro, se locomoverem pela cidade.
E, como convinha a motoristas tão rápidos, todos tinham tala larga.(Flavio Gomes)

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