São Paulo, sexta-feira, 1 de abril de 1994
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Isabelle Huppert edita revista de cinema

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

O número de março da revista "Cahiers du Cinéma", já à venda em nossas bancas por CR$ 11.200,00, é uma edição histórica. Quem desta feita a editou foi a atriz Isabelle Huppert. Ok, Jeanne Moreau já editou um número especial da "Vogue" francesa, mas a "Cahiers" exige outro cabedal. Huppert, que me desculpem os fãs de Catherine Deneuve, é a melhor, mais ativa e versátil atriz da França. Sua performance jornalística acaba de provar que ela também é, de todas as atrizes (e não estou pensando apenas nas francesas), a mais bem preparada intelectualmente.
Dá gosto vê-la conversando sobre literatura com Nathalie Sarraute, a decana do "nouveau roman", sobretudo porque Huppert leu vários livros dela. Também é de um patamar elevado que ela conversa com a psicanalista, politóloga e editora Antoinette Fouqué, triangula um "tête-à-tête" de Robert Wilson (que há pouco a dirigiu numa montagem de "Orlando") com Pierre Soulages (o pintor preferido de Jean-Luc Godard) e encara um papo supercabeça com o filósofo Jean Baudrillard sobre cinema (ele se decepcionou com "Short Cuts"), os limites da solidariedade humana (segundo ele, "uma virtude frágil, miserabilista e cúmplice do que está aí") e as gestões dos franceses para proteger a sua cultura contra o rolo compressor ianque (leia trechos nesta página).
O cinema, evidentemente, ocupa a maior parte das 121 páginas da revista. Huppert entrevistou também os cineastas Maurice Pialat (que a dirigiu em "Loulou"), Claude Chabrol (que a dirigiu três vezes, a última em "Madame Bovary"), Pedro Almodóvar (que lamenta não ser mais procurado pelas pessoas para falar só de coisas banais e pessoais) e Brian De Palma (que tenta tranquilizá-la, prenunciando um futuro radioso para os filmes franceses na televisão a cabo americana).
A atriz coletou, ainda, impressões de atores e diretores da nova geração, pediu a Henri Cartier-Bresson que a fotografasse e juntou depoimentos, alguns por fax, de antigos e recentes comparsas, entre os quais Godard, Michael Cimino, Andrzej Wajda, Marco Ferreri e Hal Hartley (que a dirigiu, meses atrás, em "Amateur", prestes a ser lançado nos EUA).
Com desembaraço, acuidade e surpreendente erudição, Huppert faz observações interessantíssimas sobre o ato criador, a solidão do ator, a psicanálise, a função do tempo (no sentido de "durée") na construção do espaço nas montagens de Bob Wilson, a imobilização nos quadros de Soulages, o voyeurismo dos personagens de Almodóvar e a ausência de um "olhar humanista" nos filmes policiais dos anos 80 e 90.
Qual atriz brasileira seria capaz de fazer isso tudo? Nenhuma. Até porque andam muito ocupadas paparicando o Gerald Thomas.
Para terminar, o trecho de um fax de Hartley (de quem, aliás, Almodóvar se diz "macaco de auditório"):
"Fiquei muito feliz por você ter gostado do roteiro (de 'Amateur'). Fazia tempo que sonhava com a personagem de Isabelle. Em meus filmes, algumas pessoas fazem perguntas e outras não. As que fazem perguntas são os meus heróis e as minhas heroínas. Isabelle, decididamente, é uma personagem que faz perguntas. E o que me fascina é ela fazer as perguntas mais mirabolantes deste mundo com a 'aisance' e a simplicidade com que perguntamos onde fica o posto de gasolina mais próximo."
Até no nome a Isabelle do novo filme de Hartley é a cara (e a "aisance") de Isabelle Huppert.

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