São Paulo, sexta-feira, 1 de abril de 1994
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Um defensor da família

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

A ONU declarou que 1994 seria o ano internacional da família, tendo João Paulo 2º expressado o desejo de que também a Igreja se integrasse nessa celebração.
Aproxima-se o momento em que, na revisão constitucional, será discutido o tema da família, que é disciplinado pela lei suprema no Título da Ordem Social. E alguns pontos polêmicos voltam à baila, para reflexão dos senhores constituintes e do povo brasileiro, no que concerne a célula mater da sociedade.
Neste momento, portanto, em que o mundo e o Brasil se voltam para a meditação de tão relevante questão, vem-me vivamente à memória a figura amiga de d. Alvaro del Portillo –falecido há alguns dias em Roma–, que foi bispo prelado do Opus Dei e primeiro sucessor do seu fundador, o bem-aventurado Josémaria Escrivá.
Conheci-o em 1974, quando acompanhava o fundador em visita ao Brasil, e compreendi, logo no primeiro contacto, porque o bem-aventurado Escrivá, a cuja betificação assisti em Roma no dia 17 de maio de 1992, o escolhera para seu mais estreito colaborador ao longo de 40 anos. Tal era a sintonia de d. Portillo com monsenhor Escrivá, que quando este faleceu foi eleito por unanimidade seu sucessor.
Recebi dele nestes anos diversas cartas, tendo minha esposa e eu estado com ele em longa visita no ano de 1981, quando passamos por Roma. Nesta conversa, falamos fundamentalmente da família, da educação dos filhos, do ambiente luminoso e alegre que deve caracterizar os lares cristãos, e da defesa incansável dos valores que são seu atributo maior.
Lembro-me que insistiu, com expressões para nós inesquecíveis, na beleza da fidelidade e do amor conjugal. Marido e mulher, frisava, são em seu amor abnegado como que caminhos de amadurecimento nas virtudes e de santificação um para o outro. Desta sua harmonia depende a estabilidade do lar. Responsáveis pela educação da prole que geram, a medida de seu amor pelos filhos é a sua capacidade de por eles se sacrificarem.
Os pais que se dedicam aos filhos, com generosa responsabilidade, têm pouco tempo para a explosão de seus próprios egoísmos e terminam por se amar mais do que aqueles que só pensam em ser felizes à custa dos outros e que, no mais das vezes, não conseguem levar a bom termo seu matrimônio. O amor não é compatível com o egoísmo, e as famílias só se mantêm unidas se nelas imperar o amor.
As evocações desses comentários ouvidos de viva voz, tornaram-se-me atuais quando, há poucas semanas, li um artigo de d. Alvaro del Portillo dedicado à família, "verdadeira escola de amor", por ocasião do ano internacional. "Quando desaparecem o amor, a fidelidade ou a generosidade perante os filhos –escrevia–, a família se desfigura. E as consequências não se fazem esperar: para os adultos, solidão; para os filhos, desamparo; para todos, a vida se torna território inóspito".
D. Alvaro del Portillo, em toda a sua existência, dedicou um especial empenho, seguindo as pegadas do beato Escrivá, a valorizar a família. Em sua pregação oral e escrita, foi este um tema permanente e descortinador. Augurava, no artigo que acabo de citar, que as palavras do papa na sua recente Carta às Famílias levassem muitos homens e mulheres a "encontrar na família a felicidade que tanto desejam".
É de se notar que tanto a ONU como a Igreja Católica estão, em 1994, firmemente voltadas para a reflexão familiar, visto que grande parte dos problemas sociais relacionados com a violência, as drogas, a Aids, decorrem da falta de estabilidade nos lares, quando não da própria inexistência de um lar para as pessoas mais carentes e necessitadas. Com razão se pode afirmar que o mundo do século 20 só não terá seu tecido social esgarçado se a família voltar a ser o centro das preocupações da sociedade.
Neste contexto, evocar figuras valorizadas da família, como d. Alvaro del Portillo, é estimulante. Deixa a terra um amigo querido, que muito influenciou a minha vida, a dos meus familiares, e a de tantas famílias no mundo inteiro. O certo é, todavia, que as lições que deixou continuarão sinalizando para muitos a força e o valor dos lares cristãos.
No Ano Internacional da Família, este paladino da família merece ser especialmente lembrado, como o fez, em gesto insólito e por isso mais cativante, o papa João Paulo 2º que, ao saber da morte repetina desse amigo leal, foi pessoalmente orar ante seus restos mortais, exortando os presentes a imitar-lhe o exemplo de vida.
Gostaria que essa insistência de d. Alvaro del Portillo, no que concerne à família, que sempre esteve presente em seus inúmeros encontros com pessoas dos cinco continentes, fosse meditada pelos constituintes derivados para que, quando da discussão de tão relevante tema, a inspiração de seus valores maiores prevalecesse sobre as teses daqueles que desejam destruí-la, pois um país só se transforma em nação vigorosa quando o exemplo familiar orienta todas as ações de seus cidadãos, e especialmente de seus governantes.

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