São Paulo, domingo, 3 de abril de 1994 |
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Safadeza
MOACYR SCLIAR
– É, aparentemente é isso mesmo, um velho safado, mas será que a gente não poderia olhá-lo de outro modo? Afinal de contas, trata-se de um ser humano... – Um velho safado. – Sim, a gente até poderia resumir a conduta dele chamando-o de velho safado, mas vamos tentar imaginar a coisa de outro modo. Ali está ele, na casa de amigos, um ancião... – Um velho safado. – É. Mas vamos chamá-lo de ancião, por enquanto. Um homem que está no fim da existência, que pouco espera, sobretudo em termos de paixão. De repente, ele olha para a mulher do amigo... – Safado! Um velho safado! – É. Outro talvez não olhasse. Ou talvez olhasse disfarçadamente. Mas ele olhou. E alguma coisa aconteceu com ele. De repente, sentia – o que decerto não ocorria há muito tempo – a paixão despertar dentro de si... – Um velho safado, só isso, um velho safado. – Algo se move. Como disse Galileu: "eppur si muove". É o milagre da vida, uma coisa surpreendente, inesperada. Tão feliz ele se sente que quer compartilhar com a moça a sua emoção. Ele quer mostrar o que está havendo. Quer mostrar tudo. – Safado! Velho safado! – E aí, transtornado – mas de felicidade, decerto – ele se revela: olhe, sou homem, aqui está a prova. Ela foge. Ele, claro, vai atrás... – Porque é safado. Um velho safado. – Ela foge, ele é preso, nega: não, não atentou contra o pudor... – O safado! O velho safado! –... agiu apenas transportado pela emoção, e isto é tudo. O que você acha desta interpretação? –Que o homem é um velho safado. E você também. – Eu? Mas eu não sou safado, sou seu namorado. E não sou velho. – Mas quando envelhecer, será um velho safado. Muito safado. E eu terei de viver com um velho safado. Texto Anterior: Nilo promete afastar policiais Próximo Texto: Jovem larga marido para trabalhar em 'karaokê' Índice |
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