São Paulo, quarta-feira, 13 de abril de 1994
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A gente não quer só comida

ANTONIO IBAÑEZ RUIZ

Em julho deste ano será realizada em Brasília a Conferência Nacional de Segurança Alimentar, outro grande momento desse processo extraordinário de participação popular em nosso país, iniciado ano passado, que é a Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, conhecida em todo lugar como a "campanha do Betinho".
O que se quer agora, uma vez conscientizada uma maioria expressiva da nação –pesquisa recente do Ibope mostrou que 68% da população tem conhecimento da campanha, com nada menos do que 32% participando dela de alguma forma–, é envolver ainda mais a sociedade brasileira na discussão e na execução de ações que erradiquem de uma vez a miséria no Brasil. Pois a erradicação da miséria, muito mais do que a necessária, mas circustancial, distribuição de alimentos, é o objetivo fundamental da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida.
Iniciativa do Conselho Nacional de Segurança Militar (Consea) e da Ação da Cidadania, a conferência, na prática, teve início com a realização do Encontro Preparatório, em Brasília, no último mês de novembro, ao qual compareceram, além de representantes de diversos órgãos federais, também representantes de comitês estaduais da Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, vindos de 23 Estados, bem como representantes de universidades.
Do encontro preparatório saiu a decisão de realização, nesse primeiro semestre de 1994, de conferências municipais e estaduais, com os mesmos objetivos básicos da conferência nacional: extrair da sociedade os modos mais eficazes por meio dos quais a miséria será erradicada do país.
Poderão participar dessas conferências preparatórias representantes de instituições públicas, dos três Poderes municipal, estadual e federal, mas sempre na proporção de 34% contra 66% da sociedade civil. Delas sairão, então, os delegados que estarão em Brasília em julho.
A importância estratégica de todo esse processo que levará à conferência nacional é deixar muito claro que a discussão do que foi chamado de "segurança alimentar" passa por uma revisão profunda do atual modelo de desenvolvimento, substituindo-o por outro, que nasça desse amplo e intenso debate popular, e que permita o crescimento sustentável da economia, com equidade social.
Isto implicará necessariamente a existência de políticas públicas integradas, traduzidas em medidas concretas nos vários campos da estrutura social, da educação à saúde, da habitação ao transporte, e, sobretudo, ao pleno emprego que assegure a todo homem, toda mulher, a todas as famílias, as condições mais dignas possíveis de existência.
"A gente não quer só comida", já cantaram os jovens deste país, no embalo de uma de suas mais populares bandas de rock. Os ecos da sociedade envolvida com a chamada "campanha da fome" que chegam até nós mostram, claramente, que a sociedade não quer simplesmente apresentar propostas sobre como distribuir alimentos por este país.
A sociedade quer, e já está fazendo isto na prática, estabelecer novas formas de relacionamento com os governos, assumindo papel cada vez mais central no debate e implementação das políticas públicas. A sociedade quer participar, a sociedade quer levar ao limite máximo os seus direitos de cidadania.
Não foi por outra razão que o próprio Betinho já escreveu para afirmar que o que se está a fazer é "reconstruir radicalmente toda a sociedade" ("Jornal do Brasil", 12/09/93); ou, como sempre diz d. Mauro Morelli: "A Ação da Cidadania é um movimento de solidariedade contra a fome e um projeto político de erradicação da miséria" ("Jornal de Brasília", 26/09/93).
A democracia é, e sempre será, muito mais do que a simples representação, a delegação de responsabilidades para os representantes eleitos. A democracia é uma atitude do cotidiano, nas nossas relações mais imediatas com a vida; ela é envolvimento, participação, ação e solidariedade.
A democracia é a marca maior que nos move, pois foi do Movimento Pela Ética na Política que nasceu a Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e Pela Vida, mostrando a relação indissociável entre a prática política e os direitos mais básicos de todos os cidadãos.
Na Conferência Nacional de Segurança Alimentar estaremos, assim, mais uma vez, expandindo os limites e fortalecendo as instituições democráticas brasileiras, porque estaremos contribuindo para a sobrevivência, o crescimento, a educação e o trabalho que resgatam a dignidade material e moral de todos os nossos cidadãos.

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