São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

As perdas reais

CLOVIS DE FARO

Com a promulgação da medida provisória nº 434, de 27 de fevereiro de 1994, foi finalmente apresentada ao público a ansiosamente aguardada definição da enigmática URV (Unidade Real de Valor). Desde meados de dezembro de 1993, quando se começou a falar sobre o novo superindexador, que seria um dos pontos focais do novo plano de estabilização da economia, logo apelidado de FHC, ocorreram diversas discussões, principalmente entre os economistas, sobre a concepção e a forma de apuração deste superindexador. De início, conforme declarações nem sempre claras de membros da equipe econômica do governo, a idéia era a de que se teria um indexador de preços contemporâneo. Isto é, supondo que isto fosse tecnicamente possível, o indexador apuraria a inflação de uma maneira instantânea, sendo que, era também dito, buscar-se-ia incorporar as próprias expectativas sobre a inflação futura.
Dado que a concepção de um indexador com apuração instantânea é algo que se assemelha a um cachorro correndo atrás do próprio rabo, além do fato de que a indexação dos impostos tem que ser necessariamente efetuada, por imposição legal, com base na variação efetivamente observada de índices de preços, prevaleceu o bom senso e o super indexador veio à luz sob uma forma bem mais tradicional. Especificamente, para trás, relativamente ao período de janeiro de 1993 a fevereiro de 1994, o superindexador, denominado de URV, foi calculado com base em uma média aritmética de três índices de preços clássicos: o IPC da Fipe, o IPCA do IBGE e o IGP-M da FGV. Para a frente, segundo o decreto nº 1.066 de 27 de fevereiro de 1994, sendo inicialmente fixado, diariamente, com base em previsões, será ajustado, ao fim de cada mês, de modo que se situe no intervalo delimitado pelo menor e o maior daqueles mesmos três índices de preços.
A menos da observação de que o procedimento acima caracteriza uma pequena (?) esperteza, pois que o governo pode sempre, a cada vez, escolher o menor dos três índices, nada a contestar. Os três índices são sérios e, a médio prazo, tendem a apresentar a mesma variação acumulada. O problema maior, como adiante comentaremos, aparecerá quando da instituição da nova unidade monetária, o real.
Um segundo ponto, sempre enfatizado pelo então ministro Fernando Henrique Cardoso, é o de que, ao contrário dos planos anteriores, desta vez não ocorreriam quebras de contratos. Acontece, porém, que os fatos (ou mais precisamente o art. 36 do ato –a MP nº 364, cuja essência foi mantida na versão de 30 de março de 1994 –MP nº 457) desmentem a promessa. Isto porque, quando da introdução do real, os índices de correção monetária dos contratos, relativos ao mês de início da emissão do real, serão baseados não em índices de preços, mas em uma ficção. Explico-me. Como os índices de preços têm um período de apuração que se encerra antes do fim do mês a que se referem, o artigo 36, prescrevendo a conversão para URV dos preços em cruzeiros reais, o que por si só caracteriza uma contrafacção, já que a URV não é unidade monetária, deixar-se-á de levar em conta a inflação, em cruzeiros reais, que será efetivamente verificada nos últimos dias (posteriores ao período de apuração do respectivo índice de preços).
Ora, indubitavelmente, o procedimento descrito caracteriza uma quebra de contrato. Por exemplo, contratos que especifiquem o IGP-M como indexador, deixarão de ter cobertura relativamente à inflação efetivamente verificada ao longo da totalidade de seus respectivos prazos. Além das perdas reais dos contratos, teremos também perdas salariais. Não sendo incorporada uma possível aceleração da inflação, em cruzeiros reais (o que se traduz em inflação em URV), que se apure no período imediatamente precedente à instituição da nova unidade monetária, também os salários sofrerão perdas reais.

Texto Anterior: Entrega de declaração só em banco oficial e Receita
Próximo Texto: Acesso às informações descomplica investimentos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.