São Paulo, quinta-feira, 14 de abril de 1994
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Pelé, vice de Brizola

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Passo o conto sem aumentar um ponto –o que seria do meu direito. Outro dia, contrariando hábitos de solitário, participei de inexpressiva reunião. Nem o Zé Aparecido estava presente –o que melhoraria o nível de nossas cavilações. Éramos sobreviventes de abril de 64. Choramos nossos mortos e tomamos conhecimento da resistência havida, tão grande a resistência que não dá para entender como o movimento militar se instalou.
Gente que estava debaixo das camas, dentro de armários –houve quem construísse um "bunker" no subsolo de um prédio da praça General Osório e lá ficou dois meses "resistindo"–, essa gente toda, 30 anos depois, revela que a coisa não foi pior por causa de tanta e tamanha resistência.
Mas a reunião do último sábado, além de chorar os mortos, procurou entender os vivos. Da turma de 64 (em parte responsável por tudo o que aconteceu) sobrou Leonel Brizola –que tem um passado e gosta de refletir sobre o futuro.
O problema dele, com 10% de aprovação e a maior taxa de rejeição, será a busca de alianças –de resto, problema comum a todos os demais candidatos.
Alguém sugeriu o nome de Pelé para vice na chapa de Brizola. A primeira reação foi de estupor. A conversa prosseguiu: Pelé quer fazer carreira política. Contra ele, de fato, só existe uma frase infeliz, aliás duas: aquela de que o povo não sabe votar e –pior ainda– aquela que dedicou o gol 1.000 às criancinhas do Brasil. Fora disso, ele é mais uma grife do que uma pessoa de carne e osso submetida aos mil acidentes da miséria humana.
As pesquisas revelam que grande faixa do eleitorado nem sequer conhece os candidatos. Qualquer estagiário de marketing está careca de saber: o peso de um nome conhecido é decisivo na hora de se escolher um sabonete, uma pasta dental, um refrigerante.
O nome de Pelé na cédula eleitoral seria um ímã que atrairia muita caneta desavisada ou desiludida. Quanto ao risco de sermos governados por ele, nada a temer: há suficiente "know-how" em matéria de vices.

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