São Paulo, domingo, 17 de abril de 1994
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"Xerife" corre atrás dos preços

BRUNO BLECHER

Reunião com toda a cadeia produtiva serve para identificar o vilão, diz José Milton Dallari

Na sala de reuniões, os supermercados. Na antesala, os produtores de leite. No hall dos elevadores, os queijeiros aguardam a vez. Desde a edição do Plano FHC esta é a rotina do gabinete do ministro da Fazenda em São Paulo.
Sai remédio, entra pneu, a pauta é sempre a mesma: a conversão dos preços em Unidade Real de Valor (URV), que envolve toda a cadeia produtiva.
As reuniões são rápidas, 20 minutos no máximo, ritmo imposto por José Milton Dallari, 48, secretário especial de preços do Ministério da Fazenda, também conhecido como "xerife dos preços".
No duelo contra os cartéis e oligopólios, porém, o "xerife" ainda não conseguiu mostrar serviço. Por duas vezes ameaçou as cervejarias com a redução das alíquotas de importação, mas voltou atrás.
Avesso aos choques, este engenheiro-eletricista, formado também em administração de empresas e economia, já esteve dos dois lados do balcão.
Convidado pelo então ministro da Fazenda, Delfim Netto, ingressou na Secretaria Especial de Abastecimento e Preços em 79.
Em 85 trocou o governo pela iniciativa privada, assessorando a Abia (Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos) e a Abiec (Associação Brasileira dos Exportadores de Carne). Em 93 voltou a Brasília, chamado pelo ex-ministro Fernando Henrique Cardoso.
Na última quarta-feira, Dallari recebeu a Folha no 19º andar da sede do Ministério da Fazenda em São Paulo.
Ele disse que o mêdo do congelamento ainda atrapalha o plano. "Em todas as reuniões que participei, sem exceção, a primeira pergunta dos empresários é se vai ter congelamento".
A seguir, os principais trechos da entrevista.

Folha – Como o senhor conduz estas reuniões? Existe alguma técnica especial?
José Milton Dallari – É como se fosse uma pequena câmara setorial, onde você tem os elos de uma cadeia produtiva. Já virou rotina. Normalmente damos um briefing inicial daquilo que nós queremos da reunião, dentro de uma agenda que nós nos propusemos mutuamente. Nas reuniões que eu convido, temos uma agenda padrão.
Folha – Os convidados estão recebendo um puxão de orelhas?
Dallari – A conversa é um pouco mais detalhada. No caso dos supermercados, identificamos aceleração de preços pelos levantamentos diários da Sunab e dados da Fipe e do IPA da Fundação Getúlio Vargas e chamamos o setor para tentar entender o que está acontecendo.
Folha – A impressão que fica é que todas estas conversas não passam de um jogo de cena do governo para mostrar à sociedade que está controlando os preços, quando na verdade o plano não prevê qualquer tipo de congelamento e espera que o próprio mercado se acerte.
Dallari – Essas reuniões servem para induzir os setores à prática da URV e também promover a discussão entre os setores para evitar o espertalhão. Você identifica um problema na cadeia produtiva e não sabe qual o elo da cadeia que apropriou a margem. A saída é reunir todo mundo para descobrir quem é o vilão da história.
Folha – O que acontece com o vilão?
Dallari – O setor acaba identificando o vilão e passa a rediscutir suas margens. O que me interessa é o preço final ao consumidor. Daí para trás, o que eles fizerem entre eles nem me interessa.
Folha – Mas o governo tem algum instrumento para punir este vilão?
Dallari – Nos problemas mais sérios podemos intervir, usando a lei de defesa da concorrência. Quando chamei as cervejarias a Brasília, chamei junto o Cade (Conselho Administrativo de Direito Econômico), porque nós tinhamos a informação de que eles haviam cartelizado. Pedimos a apresentação de todas as planilhas.
Folha – Já houve algum caso de punição?
Dallari – Neste caso da cerveja, eles prometeram voltar atrás na retirada dos descontos e continuar com os descontos até maio.
Folha – O governo tem ameaçado os oligopólios, mas nada tem acontecido.
Dallari - Temos hoje por volta de 200 processos dentro do Cade. Na semana passada, o Cade aprovou uma multa pesada para um grande laboratório francês.
Folha – Antes da implantação da URV os preços dispararam. Isto não pode se repetir na entrada da nova moeda?
Dallari – Acho que não. Tudo o que era efeito que poderia surgir, já surgiu. E ainda está surgindo nesta fase de mutação. Estamos saindo de um sistema de vendas prefixado para um sistema pós-fixado. É uma mudança cultural.
Folha - Mas ainda existe mêdo de um congelamento?
Dallari – Tanto existe que ainda não conseguimos atingir o objetivo. Em todas as reuniões, sem exceção, o pessoal faz a mesma pergunta: vai ter congelamento?
Folha - Quando entra o real?
Dallari – Assim que a maioria do sistema estiver praticando a URV e o consumidor já estiver raciocinando em URV.
Folha – Estamos próximos?
Dallari – Ainda não. Ainda temos até o final de abril e provalmente o mês que vem.
Folha – A data é 1º de junho?
Dallari – As informações que recebi na Fiesp indicam que 82% das indústrias já estão operando em URV. Nos supermercados, o Carrefour diz que 70% dos produtos estão em URV; Pão de Açúcar e Sendas, 50%. O setor mais atrasado é o comércio, mas está na faixa de 30% a 40%. Este período de negociações é lento.
Folha - E os preços agrícolas?
Dallari – Estão completamente liberados, acompanhando a sazonalidade e ainda em cruzeiros reais. Alguns já foram convertidos em URV, como o leite C. Mas outros produtos devem passar direto de cruzeiros reais para real, como o arroz e o feijão.
Folha – Quando sai a lista de redução de alíquotas para importações?
Dallari – Está sendo preparada a segunda lista pelo Ministérios da Fazenda e da Indústria e Comércio. Até segunda-feira (dia 18) a lista estará pronta. Estamos avaliando um rol de problemas. A intenção é coibir os abusos, mas respeitando a política industrial.
Folha – Como fica a agricultura, que enfrenta a concorrência de países que subsidiam os produtores rurais?
Dallari – Não vejo problema nenhum. Acho que tem que acabar esta conversa. O produtor brasileiro tem que se convencer de que vai ter sempre subsídio em algum país. Ele que seja mais competitivo. Hoje já competimos na carne com qualquer país. Isto não pode mais ser desculpa.
Folha – Mas o governo se compremeteu, no caso do trigo, a proteger o produtor nacional da concorrência externa, quando ficar constatado que o produto importado recebe subsídio em seu país de origem.
Dallari – Como compramos mais trigo dos países do Mercosul, o governo já está indo na linha da Tarifa Externa Comum (TEC).
Folha – Se o plano der certo, a demanda por alimentos deve crescer. O governo já está pensando na safra 94/95?
Dallari – A intenção é reformular toda a política agrícola.
Folha – O senhor acha que existe hoje uma defasagem cambial?
Dallari – Lógico que existe. Mas ela é suportável para o setor exportador.
Folha – A defasagem não tende a se agravar com o real?
Dallari – Depende de como você vai adotar a política cambial na entrada do real. Isto ainda não está definido. Mas acho nenhum país hoje é maluco de querer cercear as exportações.
Folha – O fato de o senhor ter trabalhado na Abia e na Abiec ajuda ou atrapalha?
Dallari – Acho que ajuda. Demonstra minha idoneidade. Quando eu visto uma camisa, eu trabalho para essa camisa. E do lado de lá, eles me conhecem e sabem que não adianta querer me enrolar.
Folha – Dizem que o senhor tem uma coleção particular de planilhas de custos.
Dallari – Tenho um arquivo pessoal.
Folha – O senhor não está perdendo dinheiro por ter voltado ao governo?
Dallari – Sem dúvida. Eu tenho meus negócios particulares, mas achei que podia colaborar com o governo e aqui estou.

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