São Paulo, domingo, 17 de abril de 1994
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Petistas e 'fernandistas' se enfrentam

FERNANDO DE BARROS E SILVA

Erramos: 19/04/94

O quadro com as preferências eleitorais dos intelectuais, registra incorretamente a opinião do historiador Nicolau Sevcenko, da Universidade de São Paulo (USP). Ele disse que vai anular seu voto e não que está indeciso, conforme foi publicado.
Petistas e 'fernandistas' se enfrentam
A seis meses da eleição, debate na universidade torna-se "guerra santa" e inclui acusações de indignidade

Acostumados à vizinhança política e ao convívio cordial, intelectuais ligados ao PT e ao PSDB já atuam como membros de blocos antagônicos. Adeptos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) estão polarizados –e afiam suas armas para o pleito que o advogado Fábio Konder Comparato, eleitor de Lula, prefere definir como "uma autêntica guerra santa".
De um lado, os "fernandistas", que baseiam sua opção política na personalidade supostamente invulgar do seu candidato à Presidência. Do outro, os petistas, que centram no namoro entre FHC e o PFL de Antônio Carlos Magalhães sua artilharia eleitoral contra o adversário de Lula.
A 170 dias do primeiro turno da eleição, só uma minoria dos intelectuais ouvidos pela Folha permanece indecisa (veja quadro ao lado) ou indiferente.
A postura engajada e o tom ácido que predomina nos ataques entre petistas e "fernandistas" mostram que a idéia de um bloco de centro-esquerda (herança do regime militar) já virou poeira.
"O PSDB vem mostrando que quer o poder a qualquer preço. Isto se chama pacto das elites, não tem novidade nenhuma", cutuca a economista Maria da Conceição Tavares, 63, pela primeira vez candidata a uma vaga na Câmara dos Deputados pelo PT do Rio de Janeiro.
"Isso é uma bobagem", rebate o cientista político Bolívar Lamounier, 50. "Se as elites estivessem coesas, elas governariam o país. A teoria da conspiração das elites é boa para o palanque, mas não vai longe intelectualmente", diz.
"A candidatura FHC é uma farsa. E farsa, depois que a gente fica velho, é algo indigno", sustenta Conceição. "Eles estão fazendo uma aliança maior do que a que elegeu Tancredo em 85, mas se esqueceram de um detalhe fundamental: o povo", explica.
Do lado oposto do balcão, o cientista político Hélio Jaguaribe, 70, ex-ministro do governo Collor, argumenta que "são lastimáveis as oposições que se faz à aliança PSDB-PFL. "A composição de forças do próximo governo será ditada pelo novo Congresso, não pelas alianças de hoje", diz Jaguaribe. Além disso, continua, "o PT age como seita religiosa, tem uma visão muito ideológica do que seja uma aliança política".
Gargalos do PT
As críticas que Jaguaribe faz ao PT encontram eco nas análises que o filósofo José Arthur Giannotti, 63, tornou públicas em dois artigos publicados por esta Folha.
No mais recente deles (caderno Mais! de domingo passado), Giannotti, adepto da candidatura FHC, vê dois grandes gargalos que emperram a prática política do PT. O primeiro, diz ele, deriva de uma "visão incorreta do funcionamento do capitalismo atual".
O segundo, continua o artigo, seria a "incapacidade do partido de lidar com o problema da representação", do que decorre "uma concepção utópica da democracia atual, associada a uma política parlamentar de calibre curto".
Feita a crítica às cegueiras do adversário, que o inviabilizariam como opção de poder, Giannotti sugere enfim que, neste momento, só a candidatura FHC poderia promover uma rápida integração do Brasil na ordem internacional.
Mais do que isso. Pela capacidade de aglutinação de forças políticas em torno de seu nome, Fernando Henrique representaria a única via capaz de realizar um novo projeto nacional unificado. Em outras palavras, usando um jargão que circulou na década de 60, com FHC o país poderia finalmente realizar sua "revolução burguesa".
Ilusões simétricas
Análise engenhosa, mas ilusória, comenta o filósofo Paulo Arantes, 51. Eleitor de Lula, Arantes não poupa nem seu candidato nem o colega Giannotti. "A idéia de que o país, depois de ajustar sua economia, vá passar por um novo ciclo de acumulação de capital e, finalmente, participar em melhores condições da nova ordem internacioanl, é inteiramente equivocada", comenta Arantes.
"Essa convulsão em ponto morto que já dura 15 anos é o resultado e o epílogo da modernização brasileira", diz Arantes na esteira do pensador alemão Robert Kurz, para quem o capitalismo contemporâneo é cada vez mais excludente, sem portas de entrada para os retardatários, entre eles o Brasil.
Sendo assim, por que votar em Lula? Simples. "Prefiro errar com Lula a errar votando num candidato que se irmanou com o PFL", responde o filósofo.
Menos cético, o historiador Luiz Felipe de Alencastro, 48, vota em Lula em nome da necessidade de "uma alternância política no país" que, segundo ele, estaria representada pela candidatura petista.
"A aliança do PSDB com o PFL passa pela figura de ACM, o régulo (reizinho) asiático que se criou às custas do clientelismo e do fisiologismo e ainda hoje se mostra inadaptado para o convívio democrático", diz Alencastro.
O sociólogo Simon Schwartzman, 54, eleitor de FHC, vê em declarações como a de Alencastro "o patrulhismo petista". "Clientelista é o PT, o partido do funcionalismo público que defende o 'status quo' da ineficiência do Estado", argumenta Schwartzman.
Os "outsiders"
Minoria no meio acadêmico, os intelectuais que apóiam o PMDB quercista não poupam críticas aos virtuais adversários. "FHC é o candidato da direita e Lula, se eleito, não conseguiria governar", diz o economista João Manoel Cardoso de Mello, 50, licenciado da Unicamp para coordenar o programa político de Orestes Quércia.
"Fernando Henrique juntou em torno de si um bloco plutocrático como nunca se viu no país. É uma ironia da história que esse senhor, dono de um plano econômico ultra-liberal, se diga social-democrata, quando sabemos que a social-democracia serviu para integrar as massas trabalhadoras no capitalismo", provoca Cardoso.
No meio de tanto tiroteio, sobra espaço para risadas. "Vejo uma pretensão enorme dos intelectuais mais engajados. A maioria era socialista, errou durante décadas", diz o sociólogo Leôncio Martins Rodrigues, 60, que se diz indeciso entre Lula, FHC ou o voto nulo. Enquanto não chega o 3 de outubro, Leôncio diz que se diverte através dos jornais.

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