São Paulo, domingo, 17 de abril de 1994 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
O filho do cangaceiro
MOACYR SCLIAR Você sabe -perguntou o motorista do táxi- quem é o sujeito que eu mais invejo nesta país?Eu não sabia. Quem poderia ser? Algum milionário? O Giovane, do vôlei? Não, não era. O homem que o motorista mais invejava era o João Ferreira da Silva. Levei algum tempo até me dar conta: era do filho do Lampião que ele estava falando, este homem que -agora se descobriu- tinha como pai o famoso cangaceiro. Ele, sim -prosseguiu o motorista, satisfeito com minha surpresa. Era um homem franzino, magro, mas muito animado. E sabe por quê? Porque, se eu fosse o filho do Lampião, eu estaria rico. Riquíssimo. Expôs o seu plano: Primeira coisa: eu faria uma reunião de toda a bandidagem deste país. Comando Vermelho, bicheiros, assaltantes de carro-forte, toda essa gente. E convidaria também uns políticos, para dar mais respeito. Uns políticos, uns empresários. E me apresentaria: olha aqui, gente, eu sou o filho do Lampião, do grande Lampião, o maior bandido que este país já conheceu. Eu sou o herdeiro dele, sabem? De modo que, daqui por diante, quem dá as cartas aqui sou eu. Vocês vão ter um chefe, um grande chefe, mas vocês têm de me respeitar... E continuou, explicando as regras pelas quais faria a organização funcionar: dez por cento para ele, e quem não estivesse satisfeito, degola - à moda dos cangaceiros. O que é que você acha? Eu não sabia o que dizer, e optei por brincar: então você vai ter de furar as orelhas. Como é? - Agora era ele quem não sabia do que se tratava. Mencionei a notícia que tinha lido, segundo a qual Lampião tinha furado com um punhal as orelhas do filho, para identificá-lo. Ficou surpreso, chocado; mas logo se recuperou: Bom, se é para furar orelha, furo. Virou-se, olhou-me desconfiado: Mas não boto brinco, sabe? Não boto brinco. Onde é que se viu? Bandido com brinco - nunca! Texto Anterior: Campos do Jordão cria 'visto' de migrante Próximo Texto: 'Nunca usei camisinha', diz padre com Aids Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |