São Paulo, domingo, 17 de abril de 1994
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Mercados interligados espalham riscos

JOSÉ ROBERTO CAMPOSEDITOR DE ECONOMIA

Os mercados financeiros nacionais perderam sua autonomia e, interligados pelo capital especulativo, formaram um verdadeiro cassino mundial.
Quando um bilionário de origem húngara como George Soros joga US$ 1 bilhão contra a libra inglesa e provoca flutuações incapazes de ser contidas pelo próprio governo do Reino Unido, ou então uma alta de meio ponto nos juros americanos derruba Bolsas no mundo inteiro, é porque as regras do jogo do dinheiro mudaram radicalmente e em toda parte.
Conectados a supercomputadores pilotados por especialistas fanáticos pela análise quantitativa, os mercados mundiais ganharam uma volatilidade imprevista na última década. Eles se sofisticaram em alto grau, criaram novas modalidades de aplicações –os famosos "derivativos", assim chamados porque derivam de outros ativos, como ações, moedas ou commodities– e tornaram real a chance de que catástrofes financeiras localizadas possam se espalhar por várias regiões do globo.
Os números
Os mercados "derivativos" movimentam, segundo as estimativas, cerca de US$ 16 trilhões, o correspondente a duas vezes e meia a tudo que os Estados Unidos produz em todos os setores da economia (US$ 6,4 trilhões, o PIB americano). Ou quase 40 vezes o PIB anual do Brasil. Ou mais de três vezes todo o dinheiro que gira na Bolsa de Nova York num mês.
Esta massa de capitais escorre por milhares de vasos comunicantes. Uma forte baixa na Bolsa de Nova York, uma elevação dos juros nos EUA ou uma queda abrupta no mercado de títulos europeus espalha ganhos ou prejuízos fantásticos por várias partes do globo.
No sentido contrário, apostas erradas com "derivativos" desencadeam uma onda de troca de posições que podem afetar as Bolsas, mexer nos juros e nas remunerações de diversos títulos.
Alguns perdedores
Os estragos que apostas mal feitas causaram após as sucessivas altas de juros nos EUA em fevereiro e março e a consequente queda da Bolsa de Nova York deixaram rastros visíveis.
Só a Procter & Gamble, gigantesca multinacional de produtos alimentícios e higiene e limpeza (13ª maior empresa dos EUA), perdeu US$ 102 milhões com os "derivativos" –a maior sangria declarada até agora por uma empresa americana.
"É apenas a ponta do iceberg", declarou a agências internacionais Joseph Kozloff, analista do banco de investimentos Smith Barney Shearson, de Nova York. "É um problema para a Procter mas a pergunta-chave é outra: quantos monstros destes se escondem nos próximos balanços das empresas?", indagou.
Enquanto os analistas aguardam respostas para estas questões, a Procter comunicou que pretende tomar providências legais contra o Bankers Trust, e, de imediato, degolou seu diretor financeiro, Raymond Mains.
Vítimas de erro de cálculo de riscos como a Procter existem vários lugares. A Yoshita japonesa amargou perdas dez vezes maior recentemente –US$ 1,4 bilhão– com apostas erradas no mercado de moedas. E a estatal chilena Codelco jogou fora US$ 207 milhões no jogo com moedas estrangeiras.
Grandes apostadores
Prova maior dos altos riscos envolvidos nestes mercados é que até megaespeculadores queimaram as mãos neles no final de março. George Soros, 63, dono do fundo Quantum Emerging Growth (estimado em US$ 11 bilhões), deixou para trás US$ 600 milhões no dia 14 de fevereiro (primeira alta de juros nos EUA após cinco anos) ao empenhá-los na aposta de que o dólar subiria em relação ao iene.
No ano passado, os lucros da Quantum chegaram a 70% –US$ 650 milhões, o que fez de Soros o homem que mais levou dinheiro de Wall Street em 93.
O tombo foi maior para outro lendário investidor de Wall Street, Michael Steinhardt, que desde o início do ano viu o patrimônio de seu fundo emagrecer US$ 1 bilhão.
À lista de perdedores ilustres somam-se a Fundação Rockfeller e o fundo de pensão da McKinsey, uma das mais famosas consultorias do mundo. Os fundos em que aplicaram US$ 600 milhões, embrenhados em complexas operações com papéis que rendiam juros sobre um monte de hipotecas, foi à bancarrota em março.

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