São Paulo, domingo, 17 de abril de 1994
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Assis Brasil arremeda Érico Veríssimo

MARILENE FELINTO

Mais uma tentativa de tratar a história como romance. Desta vez vem do Rio Grande do Sul, já na segunda edição, no segundo volume da trilogia "Um Castelo no Pampa", de autoria de Luiz Antonio de Assis Brasil, 49, iniciada com "Perversas Famílias" (1992).
"Pedra da Memória" é a narrativa diacrônica da vida de um dr. Olímpio, político gaúcho, da proclamação da República ao final da revolução de 1923, conflito entre republicanos e federalistas. O protagonista Olímpio foi certamente inspirado em Joaquim Francisco Assis Brasil (1857-1938), diplomata e político que chefiou a revolução de 1923, defendendo sua candidatura derrotada à presidência do Rio Grande do Sul.
A história é contada do ponto de vista de vários narradores –um narrador impessoal, um irmão bastardo de Olímpio, um filho homossexual, um neto rebelde. O castelo nos pampas, que o protagonista manda construir, simboliza os anseios da aristocracia política gaúcha de então: "(...) o Castelo, com suas duas torres alçadas furando os céus do Rio Grande (...)".
"Pedra da Memória" segue a receita do romance histórico tradicional: retrato de uma classe dirigente poderosa, mas decadente. Ganha certa orientação picaresca ao mostrar a miséria popular na base da sociedade aristocrática.
Mas o livro é uma espécie de arremedo do Érico Veríssimo (1905-1975) de "O Tempo e o Vento" –especialmente em "O Arquipélago" (1961), que trata da saga dos maragatos (federalistas) em conflito com os republicanos.
Não bastasse a semelhança, o livro de Assis Brasil ainda sofre de sperficialidade de enredo, falta de originalidade dos processos de composição e uso convencional da linguagem: "Revoluções são inevitáveis, no pampa. Acontecem com a fatalidade dos furúnculos nos corpos envenenados."
É obra que se encontra na encruzilhada típica do romance histórico: o valor literário dessas obras é quase sempre zero; resta-lhes o consolo de terem algum valor documental, conforme sejam baseados em cuidadosa pesquisa histórica. Para o leitor sobrará ou não a disposição de ir verificar esta última possibilidade, comparar o documento com a ficção.
A mim, esse tipo de literatura intelectual nunca me convenceu. Desconfio da verossimilhança do texto. Como se eles sofressem de "falsidade romanesca" ou insinceridade literária, para usar a expressão de Otto Maria Carpeaux.
Duvido que mesmo o escocês Walter Scott (1771-1832), consolidador do romance histórico, aguentasse a ingenuidade com que se escrevem esses livros hoje, processo mecânico em que nem mesmo a vida de Maria Stuart, ou de Rob Roy, salteador das montanhas escocesas, personagens de Scott, escapariam da monotonia.
A despeito disso, ou por isso mesmo, os livros de Assis Brasil parece que vendem como água. Ele publicou, entre outros, "Um Quarto de Légua em Quadro" (1975 - 5 ed.) e "Manhã Transfigurada" (1982 - 4 ed.). Aí, editores, o autor ideal. Consta da "síntese biobiblliográfica', no primeiro volume da trilogia, que o autor foi "elogiado por A. Bosi, em sua 'História Concisa da Literatura Brasileira"'. Não é uma beleza?

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