São Paulo, domingo, 17 de abril de 1994
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Ameaça nuclear fará EUA favorecer chineses

JAMES BAKER

Se a crise suscitada pelo programa nuclear norte-coreano não for resolvida, a administração Clinton não terá opção senão recomendar que o Congresso renove o status comercial de Nação Mais Favorecida (MFN) concedido à China quando o prazo expirar, em junho.
A razão é simples: a cooperação de Pequim é crucial se os EUA e seus aliados quiserem frustrar a tentativa da Coréia do Norte de renegar as obrigações que assumiu sob o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e desobedecer salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
A promoção dos direitos humanos na China é importante para os princípios dos EUA, mas impedir a nuclearização da Coréia do Norte é essencial para nossos interesses vitais. A crise da Coréia do Norte torna imperativa a prorrogação do status de MFN.
Graças aos liberais no Congresso dos EUA, o governo chinês há muito tempo vem sendo alvo de "vinculação" entre direitos humanos e comércio. Agora, devido à crise norte-coreana, a China está em condições de virar a mesa e usar a vinculação contra os EUA –desta vez, entre a renovação do status de MFN e a cooperação chinesa quanto à Coréia do Norte.
É possível que as negociações mantidas entre EUA e Coréia do Norte nos últimos meses tenham agravado a situação. Ao transmitir aos norte-coreanos a impressão de que estávamos dispostos a aceitar algo menos do que a obediência integral às salvaguardas da AIEA, demos sinais de fraqueza.
Agora, a administração Clinton está mudando de tática. Os EUA despacharam mísseis Patriot de defesa aérea à Coréia do Sul, incrementaram suas forças navais e pediram a retomada do exercício militar EUA-Coréia do Sul, "Team Spirit" (Espírito de Equipe).
Essas medidas já deveriam ter sido tomadas há mais tempo. Os norte-coreanos precisam compreender que um ataque seu à Coréia do Sul significa guerra com os EUA. As medidas militares tomadas recentemente pela administração devem reforçar esse recado.
Dissuasão nuclear
A administração deveria considerar a possibilidade de ir ainda mais longe, informando Pyongyang de que os EUA farão o que for preciso para defender a Coréia do Sul. Devemos fortalecer a dissuasão, fazendo a Coréia do Norte saber que se ela tentar transformar Seul num "mar de fogo" nós não excluiríamos o recurso ao mesmo instrumento estratégico de dissuasão nuclear que durante quatro décadas impediu a agressão stalinista à Europa Ocidental.
Uma atitude militar mais afirmativa dos EUA pode ajudar a deter a agressão. Mas não reverterá o caminho resoluto por Pyongyang em direção à opção nuclear –ambição esta que ameaça a paz na península coreana, a estabilidade na Ásia Oriental e a viabilidade dos esforços feitos para controlar as armas de destruição maciça. Em Teerã, Trípoli e Bagdá, governos inescrupulosos estão observando para ver como o Ocidente vai resolver sua primeira crise de proliferação nuclear pós-Guerra Fria.
É possível que a Coréia do Norte abra sua instalações a uma inspeção completa da AIEA. Mas os EUA não devem contar com isso. Qualquer estratégia para coibir as ambições nucleares de Pyongyang deve incluir a imposição de sanções econômicas internacionais.
Aparentemente, a administração Clinton já optou por uma estratégia desse tipo. Presume-se que seu plano seja começar modestamente, com uma simples condenação, e depois ir levando as resoluções do Conselho de Segurança da ONU em direção às sanções se, como se prevê, Pyongyang continuar a opor obstáculos. Uma coisa é certa: a China será crucial.
Em primeiro lugar, a China faz parte do Conselho de Segurança e poderá vetar, ou diluir através de uma ameaça de veto, quaisquer sanções. Em segundo, a China mantém um relacionamento especial com a Coréia do Norte.
A China é a maior parceira econômica da Coréia do Norte, com um volume de comércio estimado em quase US$ 900 milhões em 1993. A China responde por 75% da energia e dos alimentos importados pela Coréia do Norte –o que impede a economia norte-coreana, já cambaleante, de desmoronar completamente. Para que sanções funcionem, a ativa participação chinesa é indispensável.
A China não tem qualquer interesse em uma Coréia do Norte nuclearizada. A perspectiva de uma nova potência nuclear na Ásia Oriental é preocupante para Pequim –o que me foi revelado pelos dirigentes chineses, quando visitei a China como secretário de Estado, em 1991. E a cooperação chinesa foi de grande ajuda nos esforços para obrigar a Coréia do Norte a aceitar as salvaguardas da AIEA, em janeiro de 1992.
Mesmo assim, os EUA fariam bem em não pressupor que os pontos de vista norte-americano e chinês em relação à Coréia do Norte são idênticos. Seja qual for a posição de Pequim em relação à Coréia do Norte, os dirigentes chineses farão o possível para vincular sua cooperação na questão norte-coreana a concessões dos EUA quanto a direitos humanos. A administração se mostra otimista em relação à perspectiva de cooperação chinesa. Mas é difícil imaginar essa cooperação sobrevivendo a uma revogação do status de MFN pelo Congresso dos EUA.
A administração Bush nunca se sentiu à vontade para vincular o status de MFN com os direitos humanos. Acreditávamos que uma vinculação demasiado estreita não apenas solaparia os interesses comerciais americanos num dos mercados maiores e de mais rápido crescimento do mundo, como também, perversamente, atrasaria a implementação das reformas de livre mercado na China.
Acreditávamos que no longo prazo a reforma econômica levaria à liberalização política, a maneira mais garantida de assegurar direitos humanos para todos os chineses. A política norte-americana era evitar tanto o isolamento direto quanto o aval exagerado da liderança chinesa.
Durante as eleições de 1992, essa posição tornou-se alvo de muito desprezo por parte de deputados democratas e de vários candidatos –incluindo Bill Clinton.
Opção desagradável
Apesar da retórica de campanha, a administração vem emitindo sinais pouco claros desde que assumiu o governo. No verão passado, apoiou a renovação do status de MFN para a China, apesar das evidências de que os abusos aos direitos humanos continuavam. Recentemente, altos funcionários dos Departamentos do Tesouro e do Comércio recomendaram que a ênfase sobre direitos humanos fosse diminuída, em prol dos interesses comerciais norte-americanos.
Hoje a administração se confronta com uma realidade dura: Washington precisa da China para implementar sua política em relação à Coréia do Norte –e Pequim sabe disso. A prorrogação do status de MFN será, com quase certeza, parte do preço a ser pago para assegurar a cooperação chinesa em sanções contra Pyongyang.
É pouco provável que tudo isso assuma a forma grosseira de um "toma-lá-dá-cá". Se os dirigentes chineses forem sábios, oferecerão concessões superficiais –a soltura de um ou dois dissidentes, o fim de uma restrição mal-vista, mesmo que pouco importante– antes de os funcionários da administração serem obrigados a ir ao Congresso para enfrentar os defensores radicais dos direitos humanos em seu próprio partido.
Não será uma experiência agradável. A administração verá conservadores comentando o quanto sua política em relação à China se aproximou daquela praticada pela administração Bush. É provável que setores liberais citem a retórica da própria administração Clinton como evidência de hipocrisia.
Mas, por mais desagradável que seja para a administração defender o status de MFN, ela não terá opção. Os argumentos continuam sendo poderosos: milhares de empregos norte-americanos estão em jogo. Não há evidências de que negar a renovação terá qualquer efeito além de causar prejuízos à economia chinesa e a seus reformadores e levar Pequim a opor-se ainda mais à democratização.
A administração Clinton, confrontada com uma daquelas opções desagradáveis entre realidade e retórica, será obrigada a renovar o status de MFN para a China.

Tradução de Clara Allain

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