São Paulo, quarta-feira, 4 de maio de 1994
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Culpa

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Passados os dois primeiros dias, de completa estupefação, a televisão também saiu à caça dos culpados. A descoberta de que Ayrton Senna "morreu na pista de Imola", como registrou o Jornal Nacional, foi a deixa. Dois culpados surgiram logo, o diretor de pista e o médico-chefe. Mas outros foram lembrados, dos dirigentes da Fórmula 1 aos construtores.
A "revolta", uma entre as palavras usadas para descrever o sentimento de ontem, foi tanta que o Aqui Agora chamou atenção para a possibilidade de "pizza" na investigação.
Reagindo à pressão, o também tricampeão Nelson Piquet disse que não dá para sair responsabilizando ninguém. Lembrou que o automobilismo é um esporte violento, não tem jeito, e reclamou, no TJ: "Está todo mundo querendo culpar alguém e eu não acho isso certo."
Sensacionalismo
A emoção do Fantástico, no domingo, repetiu-se no Jornal Nacional de segunda, mas já começou a azedar no Jornal da Globo, horas depois. Até um poema popular foi adaptado –para potencializar a pieguice. O estrago continuou no Hoje e no Jornal Nacional, chegando muito perto do insuportável.
Quem está certo é Armando Nogueira, diretor da Globo por duas décadas, que reclamou com Jô Soares da cobertura da televisão, sobretudo da própria Globo. Disse ele que a emoção está dando lugar à "comoção", com o descontrole na dosagem –e caindo no sensacionalismo.
Dar de ombros
Nelson Piquet, anteontem no Roda Viva, e Rubens Barrichello, em diversos telejornais, voltaram a tratar de Ayrton Senna. Os dois pilotos, que tanto choraram no primeiro dia, estavam firmes, recuperados. Eles falavam da morte no automobilismo, não aquela de Senna, mas a de qualquer um, a morte deles mesmos, com um descaso, com um estranho dar de ombros. Com familiaridade.
"Banditismo"
Boris Casoy, afinal, acordou para a farsa no escândalo do Orçamento. Num desabafo dos mais violentos, em que falou em pizza, sobrou até para os deputados evangélicos, que ajudaram a inocentar mais um: "Muito me admira a bancada evangélica, com cara de santa, que devia estar lutando pela moralidade que prega no rádio e nos púlpitos, participar desta ação de banditismo político."
No final: "Deus os perdoe."

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