São Paulo, quarta-feira, 4 de maio de 1994
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Adversário de hoje do Brasil não conta

ALBERTO HELENA JR.
ENVIADO ESPECIAL A FLORIANÓPOLIS

O Brasil chegou a Florianópolis ouvindo um coro de anjos: eram centenas de mocinhas, rapazes e meninos que tomaram o aeroporto de assalto, entoando o doce cântico de glória ao tetra.
Os jovens costumam ser, pela própria natureza, muito otimistas. Mas quando a Copa se avizinha, até os mais velhos deixam-se levar por esse sentimento. Afinal, em meio às zebras de todas as cores que disparam de um pântano a outro e ainda com a alma dolorida pela perda de Dener e Senna, em algo precisamos nos agarrar. E a seleção é uma boa, apesar de tudo.
É bem verdade que não teremos hoje à noite, diante da Islândia, nem Romário, nem Bebeto, dois heróis nacionais. Mas lá estarão o imprevisível Viola e o garoto Ronaldo. Ambos tentam esta noite garantir a passagem para a Copa. Viola, portando o ramalhete de flores como um estandarte da Gaviões, saboreia a celebridade com a graça de quem começa a experimentá-la: "Vou chegar lá, cara, podes crer". Ronaldo, carioca que bebeu água nas fontes claras de Minas, já se contém: "Espero chegar lá. Mas, se não der, paciência. Sou muito jovem ainda". Ontem, na entrevista coletiva que Parreira concedeu, num salão de convenções do hotel Costão do Santinho, onde a seleção se refugiou, a cinquenta quilômetros do estádio, nosso técnico negou-se a avançar sobre os 22 que irão à Copa. Mas deixou um espaço aberto para o aproveitamento de Viola e de Ronaldo, juntamente com Muller, Bebeto e Romário: "Posso, sim, levar cinco atacantes".
Assim, quem ficou na marca do pênalti é César Sampaio, por quem o treinador brasileiro nutre certa "despreferência", para usar o termo lexicamente mais incorreto, porém menos infiel.
Assim, o adversário não conta, pois a Islândia é historicamente um futebol de quinta categoria, embora ultimamente, com a massa de informações que corre velozmente de um canto para outro do mundo, ninguém é desprezível. O que conta é, sobretudo, a performance de nossos dois novos atacantes. E só.

Parece um filme de Jacques Tati, "As Férias de M. Hulot". As farmácias, os botequins, os mercadinhos, os bares, tudo fechado, e o mar batendo na praia, incessante, como no começo do mundo. As casinhas caiadas, tijolinhos aparentes, largos terrenos baldios, as ruas tortuosas e uma ausência apreensiva de pessoas. Os carros se cruzam, de tempos em tempos, nesta longa e bem contornada costa que liga a praia dos Ingleses, onde estamos, e o Santinho, onde se escondem nossos craques.
O refúgio dos brasileiros cobre 500 mil metros quadrados de área protegida por mais 500 mil de Mata Atlântica. Quinze mil metros de construção. Ou melhor, em construção. Além do hotel, um vasto e sofisticado condomínio debruça-se sobre uma praia deserta, límpida e convidativa. Um paraíso. Um exagero.
Será que tamanho conforto e beleza não haverá de amolecer o espírito do guerreiro?

Vi os islandeses desfilarem diante de mim. Alguns tinham o porte de verdadeiros vikings. Mas outros pareciam amanuenses cansados da lida e da vida. Gordotes, pescoços empapados, ventres proeminentes, caindo sobre os cintos das calças. Aqui entre nós, se não metermos uma farta goleada nessa gente, podemos desistir.

Rápido papo com Moraci Sant'Anna: o caso de Raí não é físico. É psicológico. Mas o nosso craque está, segundo o preparador físico da seleção, em plena recuperação. Moraci acredita que, na Copa, Raí estará definitivamente recuperado. Deus o ouça.

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