São Paulo, quarta-feira, 4 de maio de 1994
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CDs de bossa nova mostram vida inteligente nas gravadoras

RUY CASTRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Sempre se pode esperar alguma coisa de um país que, em menos de duas semanas, põe na praça dois CDs de Johnny Alf, um cantor, compositor e pianista que qualquer música popular se orgulharia de ter produzido. Significa que as mentalidades não estão de todo anestesiadas e que ainda há vida inteligente no ramo mais cruel e imediatista do "show business": as gravadoras.
Os dois discos são "Johnny Alf – Dois em Um", da EMI-Odeon, e "Leny Andrade & Johnny Alf", da BMG-Ariola.
O primeiro se compõe de dois discos completos ("Ele é Johnny Alf", de 1971, e "Nós", de 1974), gravados numa época difícil para qualquer artista brasileiro que não fizesse rock rural ou tocasse pífaro (flautim militar). Foi quando a chamada MPB resolveu dar as costas ao mar e se embrenhar no mato, numa oportunista busca às "raízes". Discos como aqueles de Johnny Alf eram uma das poucas oportunidades de se respirar ao pé da vitrola.
O segundo CD, da coleção "Acervo Especial", que usa as matrizes da antiga RCA Victor, é realmente especial: contém sete insuperáveis clássicos de Alf (entre os quais "Rapaz de Bem", "Céu e Mar" e "Seu Chopin, Desculpe"), lançados originalmente no LP "Rapaz de Bem", de 1961. Ouvidas hoje, é quase impossível acreditar que essas canções já estavam escritas no começo dos anos 50 –e não envelheceram nem um dia.
As outras sete faixas saíram do LP "A Sensação Leny Andrade", do mesmo ano. Era a estréia da cantora, que então complicava menos, e reunia alguns dos primeiríssimos temas da bossa nova (e depois raramente gravados), como "Batida Diferente", "Sambop" e "O Amor que Acabou".
A coleção "Acervo Especial" soltou também uma antologia intitulada "Bossa Nova", com gravações de artistas que passaram pelos estúdios da RCA nem que fosse por um dia.
A seleção é ótima, incluindo "Canto de Ossanha", com Maysa, "Sabe Você", com Wilson Simonal, "Dindi, com Alaíde Costa e outras 11 delícias. São gravações que vão de 1961 aos anos 80, mas, como sempre, essa coleção produz os encartes mais pobres do mercado. Não há qualquer informação sobre os artistas, data das gravações etc. Por exemplo: quem canta "Wave" com os Cariocas é nada menos que Lúcio Alves –e seu nome nem aparece na lista das faixas!
Mas, a provar que nem tudo está perdido, outro volume da série "Dois em Um" da EMI-Odeon é "Edu Lobo e Francis Hime", reproduzindo dois discos de 1973, um de cada um. O carioca Edu Lobo, que nunca se considerou exatamente da bossa nova, sempre se voltou para o Nordeste e para as chamadas "raízes". Mas, com seu talento e formação musical, nunca seria um mero recolhedor de folclore. Suas dez faixas nesse CD revelam a música adulta que ele é capaz de fazer.
E Francis Hime, um dos melodistas mais românticos da Bossa Nova, produz pouco, mas para sempre. Nesse disco estão algumas de suas eternidades, como "Minha", "Sem Mais Adeus", "Último Canto" e aquela que o vulgo atribui a Chico Buarque (autor da letra), mas cuja melodia é sua: "Atrás da Porta".

Título: Johnny Alf - Dois em Um
Artista: Johnny Alf
Título: Edu Lobo e Francis Hime - Dois em Um
Artistas: Edu Lobo e Francis Hime
Gravadora: EMI-Odeon
Título: Leny Andrade & Johnny Alf - Acervo Especial
Artistas: Leny Andrade e Johnny Alf
Título: Bossa Nova - Acervo Especial
Artistas: Dick Farney, Lúcio Alves e Os Cariocas, Milton Banana Trio, Miúcha e Tom Jobim, Tamba Trio e outros
Gravadora: BMG-Ariola
Quanto: 15 URVs (em média)

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