São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 1994
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A força dos precedentes

JANIO DE FREITAS

O esforço do presidente Itamar Franco, de ministros e assessores palacianos, para atribuir a uma decisão presidencial a desmedida intervenção do Exército em Brasília, não é apoiado pelos fatos conhecidos. E não só porque, apenas meio dia antes dos militares iniciarem sua movimentação espalhafatosa, Itamar Franco tenha dito a parlamentares que não recorreria ao Exército para debelar a exaltação absurda de um grupo dos policiais federais em greve. Não houve fatos novos entre sua afirmação e a ação dos militares, o que já tornaria duvidosa a versão de uma ordem presidencial. Mas, sobretudo, há explicação mais coerente.
Os comandos militares, a começar dos próprios ministros, estão decididos a não admitir que haja reajustes de vencimentos setoriais no funcionalismo civil, a menos que as Forças Armadas sejam também beneficiadas, e por inteiro. Esta disposição já ficou publicamente exposta em diferentes ocasiões. E voltou a manifestar-se a propósito da greve na Polícia Federal.
A intervenção não foi decidida na terça-feira. Só foi possível começar à uma da madrugada de quarta-feira porque seu preparo foi feito com antecedência. Havia a presunção de que os policiais federais, já amparados por um parecer da Procuradoria-Geral da República atestando a legalidade de sua reivindicação, acabariam obtendo reajuste. Mesmo que não chegasse à pretendida equiparação à polícia do Distrito Feferal, seria uma correção não estendida às Forças Armadas. Algo, portanto, inaceitável. Quem quiser acreditar que a repentina exacerbação de policiais grevistas em Brasília, no início da semana, foi incitada por alguns grevistas legítimos, demonstrará fé admirável na limpidez das atuais instituições. Os que sabem que os chamados serviços continuam em serviço, sabem também que pretextos são planejáveis.
Mesmo que a ordem de intervenção houvesse partido do presidente, a versão palaciana cairia ante o exibicionismo dos helicópteros e do desembarque de assalto tão próximo do Planalto e do Congresso. E sem qualquer possível relação com a greve da PF. Foi um espetáculo escandaloso de intimidação, que Itamar Franco não tinha motivo para incluir na sua alegada ordem ao Exército.
Os tantos precedentes do gênero, havidos até no regime militar, indicam que, com o passar do tempo, sempre se acaba sabendo que o presidente viu-se diante de uma deliberação de ministros militares e preferiu, para efeitos públicos, assumi-la como sua. Um modo, politicamente, de não se tornar ele próprio, o centro de uma crise. Um modo, institucionalmente, de manter, mesmo não o pretendendo, a instabilidade do regime constitucional por força das interferências dos militares.

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