São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 1994
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Sombra de Senna paira sobre a F-1

ANDRÉ LAHOZ; CLÓVIS ROSSI
DOS ENVIADOS ESPECIAIS

Christian Fittipaldi terminou a sessão de classificação de ontem, foi para o box da Arrows e automaticamente procurou, na tela do computador, o nome de Ayrton Senna nos primeiros lugares.
Não achou, como é óbvio, mas, reflexo condicionado, virou a página, para checar se Senna ainda estava para sair à pista.
"Aí, caí na real", contou depois o piloto.
O episódio com Christian é a mais clara evidência de que a sombra de Ayrton Senna ainda paira sobre a Fórmula 1 e, em especial, sobre Mônaco, a cidade em que o piloto venceu seis vezes, cinco delas consecutivas, até o GP de 93.
O outro brasileiro da F-1, Rubens Barrichello, também rememorou o golpe de Imola (em que ele também se acidentou). "Minha cabeça não estava fixa no carro, me levava para algum outro lugar", admitiu, após os treinos oficiais.
O pai de Rubinho, o "Rubão", diz que a morte de Senna jogou um peso sobre os ombros do filho e de Christian.
Peso duplo, aliás: "A expectativa dos brasileiros se transferiu para eles, que, além disso, sentiram muito a morte de Senna", diz.
Para ele, a morte de Senna quebrou o intervalo normal que houve, nos últimos 20 anos, entre o fim de carreira ou a morte de um ídolo brasileiro das pistas (José Carlos Pace, Emerson Fittipaldi, depois Nélson Piquet) e o surgimento de outro.
Christian concorda. Mostra o cabelo quase escondido pelo boné do Banespa, um de seus patrocinadores, para dizer, brincando, que ficaram grisalhos em 11 dias, o intervalo em que ele e Rubinho deixaram de ser "os meninos do Brasil" para serem os "homens do Brasil" na F-1.
Por isso mesmo, Christian sentiu um "frio na barriga" ao passar ontem pelo box da Williams e ver apenas um carro, o número 0 de Damon Hill. "É tão inacreditável o que aconteceu que eu até me perguntei se o Ayrton não estava de férias ou havia perdido o vôo do Brasil".
O piloto português Pedro Lamy (Lotus) concorda: "É difícil para todos os pilotos disputar uma corrida sem o Ayrton Senna".
Difícil também para uma parte do público. O casal francês Sandrine Gellion e Philippe Bonnot levou para a tribuna U, em frente ao restaurante La Rascasse, uma grande bandeira brasileira, no meio da qual prendeu uma laço negro em sinal de luto.
Os sinais da sua presença espalhavam-se além das ruas transformadas em autódromo. O comércio de souvenirs que cerca toda corrida não teve tempo de se reciclar.
Bandeiras do Brasil, com o nome Ayrton Senna como rodapé, eram vendidas nas transversais. Um boné com o nome de Senna estava na cabeça de um dos garçons do "Star n'Bars", o bar em frente ao porto de Mônaco, transformado, nos dias de corrida, em estacionamento dos "motor homes" das equipes.
Na calçada do bar, há uma exposição de fotos de F-1 e o destaque é para Senna, nos carros da McLaren e da Williams.
Uma T-shirt com o nome do piloto brasileiro ainda fazia sucesso entre o público, vendida a 70 francos por peça (cerca de US$ 13).
Esse ambiente ainda dura alguns dias. "Vai ser um fim-de-semana difícil para todos", prevê Christian. Mas o circo da Fórmula 1 não pode parar, não só porque envolve uma formidável pilha de dinheiro.
"Os pilotos adoram o que fazem. Se pararem, nunca mais vão fazer aquilo de que gostam", explica o português Pedro Lamy.
O pai de Rubinho concorda. Ele conta que, após os acidentes de Imola, o filho disse a ele e à mãe: "Se acontecer algo comigo, não se preocupem. Terei morrido fazendo o que me faz feliz".
(AL e CR)

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