São Paulo, sexta-feira, 13 de maio de 1994
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Bienal atesta condição periférica do Brasil

MARCELO COELHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Erramos: 19/05/94

Neste artigo, uma frase saiu com erro. O texto correto é: "Ainda que Portinari esteja em maré baixa entre os críticos, não há como não ver, nos poucos quadros selecionados desta mostra um vigor, uma verdade excepcionais.
Bienal atesta condição periférica do Brasil
Um razoável esforço físico é exigido do visitante que se aventura na "Bienal Brasil Século 20", megaexposição no parque do Ibirapuera. São 248 artistas, 921 obras. Coisa para se calçar um par de tênis e para ver num espírito de aeróbica.
Há algo de antiestético em exposição desse tipo, assim como7 nos grandes museus da Europa. É um excesso de obras de arte, um exagero, um desafio corporal.
Mas como o frequentador de exposições participa do mesmo ascetismo de um atleta de academia, vamos lá.
A "Bienal Brasil" foi criticada por não ser suficientemente didática, por ser arbitrária na escolha das obras, pela pretensão de "reescrever" a história das artes plásticas brasileiras.
Nada disso é muito verdade. Ainda que o curador, Nelson Aguilar, tenha dado destaque a pintores não muito conhecidos hoje em dia –Guido Viaro, João José Rescala–, o que se vê é menos uma reinterpretação da história da pintura brasileira e mais uma espécie de festival, de amostragem gigante do que se fez por aqui.
Não chega a ser um "manifesto" estético nem um curso de história da arte brasileira. Nem poderia ser. É mais uma enciclopédia, onde tomamos conhecimento, com precisão de verbete, de quase todos os nomes importantes.
Nenhum artista selecionado comparece com grande número de obras. Todos –consagrados ou esquecidos, marginais ou famosos– aparecem com poucos quadros, nesta "Bienal". Isto produz efeitos curiosos. A "força" de um pintor famoso tem de valer por si própria, sem beneficiar-se de sua maior presença estatística.
O resultado é que se tem uma visão mais "imparcial", mais "distante", da evolução das artes plásticas brasileiras. Valores pouco conhecidos irrompem em obras-primas, e ao mesmo tempo tudo se equaliza na situação periférica que o país vive.
Tento tirar algumas conclusões dessa exposição.
Em primeiro lugar, fico com a idéia de uma vitalidade enorme. O número de artistas bons, de obras bonitas, de nomes a guardar na memória, é considerável.
Ao mesmo tempo, fico espantado com o "bom comportamento" da arte brasileira neste século. Os pintores modernistas mais importantes não eram, apesar de tudo, vanguardistas. Não tivemos nos anos 10 ou 20 rupturas radicais como as idealizadas por Duchamp, Mondrian, Malevitch. O abstracionismo só surgiu entre nós na década de 50, e as tentativas antiarte e dadá só começaram nos anos 60.
Cá entre nós, isso foi ótimo. Ficamos a salvo de uma besteirada ideologizante e pretensiosa. Os pintores continuaram pintando, os escultores esculpindo, sem a idéia boba, banal, de "negar a arte".
Mas é claro que esse fenômeno revela a condição peculiar, subdesenvolvida, do Brasil. Chegamos tarde ao abstracionismo, por exemplo, devido a um senso de missão que ocupava os principais artistas do modernismo.
Tratava-se, para Tarsila do Amaral, para Portinari, para Clóvis Graciano, de afirmar o ambiente, as cores, os modos de nosso país. Dada essa circunstância local, o interesse pelas experimentações radicalistas da arte moderna diminuiu bastante.
Criaram-se, assim, lindas obras. Ainda que Portinari esteja em maré baixa entre os críticos de arte, não há como ver, nos poucos quadros selecionados desta mostra, um vigor, uma verdade excepcionais.
Outra coisa pode ser observada retrospectivamente a respeito da arte brasileira neste século. Desde a "belle époque" às experimentações em geral bestas dos anos 80, não negamos nunca a nossa condição periférica. Ainda que o curador da exposição, Nelson Aguilar, situe em Lygia Clark e Helio Oiticica o nosso "grito do Ipiranga", nossa manifestação de independência estética nacional, fico em dúvida.
Tudo, a rigor, parece imitado. Visconti, no início do século, diluía o impressionismo. Traduções do expressionismo alemão e do cubismo francês foram tentadas nos anos 20 e 30. Os concretos, neoconcretos dos anos 50 seguiam os ensinamentos do suíço Max Bill, de Mondrian e da Bauhaus. A arte pop americana foi copiada aqui. Performances, pelo amor de Deus. A volta à pintura, nas imensas telas neo-expressionistas alemãs, também foi copiada nos anos 80.
Mas isto não é muito importante. O fato de seguir as linguagens estrangeiras, sem ter sido capaz de criar nenhuma própria, não diminui automaticamente a qualidade do que se fez por aqui.
Noto, nas adaptações vividas pelo idioma internacional à realidade brasileira, uma influência pouco comentada, a das artes plásticas italianas. É fácil identificar de que maneira Tarsila "adaptou" genialmente o cubismo menos radical (fala-se em Lhotte e Gleizes, mas é de Delaunay que caberia lembrar) à paisagem e às cores caipiras. E de que maneira o expressionismo alemão funcionava em Lasar Segall, o surrealismo neste a meu ver tão fraco Cícero Dias.
Mas em Penacchi, Graciano, Bonadei, até mesmo Volpi, Rebolo, estamos a ver uma influência das artes italianas, naquilo que elas próprias tiveram de periférico ou anti-experimentalista. O Carlo Carrà dos anos 20 ecoa no Pennacchi brasileiro. Osvaldo Licini, já nos anos 30, não era diferente dos concretistas dos anos 50.
Paisagens de Morandi nos meados da década de 30 evocam Rebolo e Bonadei. E mesmo agora, nas fantásticas esculturas em plástico de Sergio Romagnolo (a meu ver, um dos pontos altos da exposição), nota-se a presença de Medardo Rosso, escultor nos princípios do século.
Visitar a Bienal de arte brasileira também implica em uma experiência melancólica. É a de ver quantos experimentos modernos envelheceram. Quanta coisa datada existe ali. E quanta coisa ruim se escondia sob a aparência de modernidade, de adesão à arte internacional.
Zaluar, Palatnik, Mavignier, Danilo di Prete contrastam pelo anacronismo –do qual participam Vergara, Antonio Manuel, Antonio Dias, Rubens Gerchman, e mesmo Cláudio Tozzi– com algumas realizações que, embora datadas, guardam qualidade. Penso em Hércules Barsotti, em Wesley Duke Lee, no sempre mágico Gregório Gruber.
Distinguir entre o que é modismo e o que é beleza compete, certamente, a cada visitante. Mas, numa bienal desse tipo, empenhada em dar notícia de tudo o que aconteceu no Brasil durante o século, talvez seja fácil, ainda que cansativo, identificar o que vale realmente a pena. E ver a quantidade de chatos ainda em cartaz. Como nas escalações da seleção brasileira, tenho minhas preferências. Tal é a quantidade de nomes em jogo, que daria um artigo inteiro de elogios e críticas. Trabalho algo besta.
Só mais um comentário. Muitos artistas são apresentados, nesta exposição, nos inícios de sua atividade. É de se lamentar o quanto o mercado de arte os piorou, o quanto se conformaram a clichês: Volpi, Aldemir Martins, Mabe.

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