São Paulo, domingo, 15 de maio de 1994 |
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Problema da exposição é a arte brasileira
DANIEL PIZA
Quem se dispõe a percorrer os três andares do Pavilhão sai com a sensação de que não existe arte brasileira de qualidade que encha o prédio. A quantidade de trabalhos medianos, medíocres e ruins não escapa nem a otimistas. Ainda que fosse mais ampla a triagem feita por Nelson Aguilar e a equipe de curadores, ainda que todos os nomes excluídos estivessem presentes, ainda que artistas mal representados fossem bem representados, etc. etc. –ainda assim o vazio subsistiria. Esta tese pode ter sabor amargo, e certamente tem, numa época em que a patriotada é de lei no país. Mas considere: temos a MPB, o futebol, a publicidade. Campos em que nos podemos confrontar internacionalmente. Artes plásticas não tem sido um deles. A arte brasileira é tímida, defasada e irregular. As exceções só fazem confirmar a regra. Enquanto não nos dermos conta disso, não vai dar. Ou, nas palavras do crítico José Roberto Teixeira Leite: "Enquanto tivermos de falar de autonomia, não teremos autonomia." Por seu porte internacional, apenas quatro artistas saltam aos olhos no correr da exposição: Tarsila do Amaral, Alfredo Volpi, Iberê Camargo e Hélio Oiticica. Isso apesar de a "Bienal Brasil" falhar em dar a dimensão real dos quatro. Mas basta ver por segundos "Religião Brasileira", tela de 1926 de Tarsila, que você sabe estar diante de uma artista única. Aí está: o que existe são artistas. A rigor, não existem tendências, não existem nacionalidades. "A sociedade é uma ficção. O que existe é o indivíduo", disse o escritor argentino Jorge Luis Borges. Para a 22ª Bienal Internacional de São Paulo, que será em outubro, e a "Bienal Brasil", que é anunciada como uma preparação para aquela, Aguilar está inspirado na tese de Bonito Oliva, curador da Bienal de Veneza de 1993. Segundo ele, a arte atual não tem mais "centros" (Europa ou EUA), mas pode vir de qualquer lugar, da Sibéria a Cancún. Estes seriam tempos de "nomadismo cultural". Se a tese é plausível quando se pensa no aumento de intercâmbio entre os povos graças à tecnologia, deixa de ser quando se pondera o quanto isso pode ser enganoso. Um exemplo é suficiente. A idéia de que a Europa não era o centro do mundo, e que a arte de povos "menos civilizados" poderia ser tão ou mais interessante, é uma idéia modernista. E o que é o modernismo? Uma criatura européia. Cai-se no erro contrário. Não é por ser armênio que um artista será melhor que um inglês. O que vale é a obra de arte em si, sua qualidade estética. Aqui está o coração das trevas. Quatro décadas de crítica formalista reduziram a pó o senso de que uma coisa pode ter valor em si. Tudo é relativo. O autor não existe, é apenas uma somatória de arquétipos culturais. Mas enquanto um Matisse não surge no Sri Lanka, a Bienal faz o que pode para nos convencer da possibilidade. "O sentido mais forte da história das artes plásticas no Brasil é o da emancipação em relação a modelos importados", é a primeira frase de Aguilar no texto que abre o livro da exposição. Portinari, por exemplo, partiu de modelos importados. Quando o escritor e crítico de arte John Updike visitou o Museu de Arte de São Paulo, em 1992, apontou para uma tela de Portinari e perguntou: "Aquilo ali é de Picasso, ou de alguém que pintava como ele?" Naturalmente isso retira alguns pontos de Portinari. Mas e Volpi? Eis o maior injustiçado da "Bienal Brasil". São só quatro telas, embora duas excelentes. O próprio John Updike, na tal visita ao Masp, se deparou com uma das telas de bandeirinhas de Volpi, observou-a por mais tempo do que havia dedicado aos outros brasileiros e comentou: "Há um sentimento religioso aí." Volpi não "inventou" nada –no sentido de que Mondrian, por exemplo, foi um inventor. Mas as qualidades de sua pintura permanecem além-fronteira. Não é a emancipação que define um artista. Não basta ter 21 anos para ser adulto. (Daniel Piza) Texto Anterior: Longe da história em um galpão de subúrbio Próximo Texto: Um ensaio para o século que vem Índice |
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