São Paulo, domingo, 15 de maio de 1994
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Um ensaio para o século que vem

WALTER ZANINI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Preparada em poucos meses para que fosse possível um maior aprofundamento da seleção de artistas e a localização de não raras obras, o evento "Bienal Brasil Século 20" não é uma perfeição. Vários de seus aspectos podem alimentar e alimentam a controvérsia e a polêmica, comuns, aliás, no debate da modernidade. Entretanto, no geral, a mostra não falha no objetivo essencial de recensear a produção artística ao longo de períodos tão próprios e diversificados.
O que se traz a público, não obstante as delimitações quantitativas de cada participação, favorece, no conjunto, um conhecimento articulado do trabalho artístico que se desenvolveu e desenvolve no país. Releva notar que os diversos segmentos ou blocos exprimem o pensamento estético de curadores específicos, convidados pela Fundação Bienal na figura de seu curador geral.
Uma das funções mais importantes da história da arte tem sido a de descobrir e redescobrir o que foi fortuita ou deliberadamente esquecido ou desconsiderado através do tempo. Na exposição não faltam a esse propósito recolocações de casos e resgate de artistas e mesmo de um inteiro direcionamento grupal dos anos 60, assinalado pela subjetividade da instauração, que reaparece com surpreendente e forte caracterização.
Avançou-se muito, sem dúvida, por esse e outros caminhos, em relação à mostra precedente realizada pela própria Bienal em 1984-85, pouco lembrada.
Entre outros elementos de informação são ressaltados os valores da renovação, embora dos mais tímidos, que surgem por entre os ecos da lentidão artística ensimesmada da época imperial, no primeiro segmento e, no seguinte, o que há de moderado nas figuras de 1922, consequência do repensar das vanguardas do início do século.
Dois pólos extremos, em termos de pura pintura, são a perda do vigor de Anita Malfatti, após o momento expressionista e a notável ascensão, verdadeiramente internacional, de Rego Monteiro, nos anos 20 membro de "L'Effort Moderne" de Rosenberg, em Paris, e que certamente teria outra presença no Ibirapuera se houvesse o tempo necessário e a possibilidade de trazer obras de museus e colecionadores do exterior.
O artista, que fazia compreender "que o cosmopolitismo é a verdadeira marca da humanidade", constituiu-se num paradigma do "retour à l'ordre", atitude disciplinadora de princípios que, por vezes, tem servido de pretexto à exumação do pompierismo.
É fértil a informação que nos trazem os painéis de várias modalidades abstratas, enquanto a amostragem das décadas de 60 e 70 documenta o quanto a criatividade desses anos é diversificada, no movimento das novas figurações, de uma nova surrealidade, das iniciativas comportamentais e das correntes conceituais da multimédia.
Os nomes significativos estão longe de confinar-se aos que setores da crítica estrangeira e nacional referem-se sistematicamente à exaustão. No mínimo é temerário o entendimento da arte brasileira atual como resultado de influências de Oiticica, Clark e Schendel, em verdade sendo ela fruto da complexidade de múltiplos fatores. As citações sempre omitem nomes, como, por exemplo, o de um artista fundamental na abertura da dimensão tecnológica para a arte em nosso meio –Waldemar Cordeiro.
Lembremos que a pintura e a escultura cediam lugar, sobretudo nos anos 70, a outras formas de linguagem, que trazem um ar dinâmico ao andar intermediário da Bienal. Essa geração liga-se de perto à dos integrantes do último segmento. Numa e noutra dessas representações encontramos artistas que se fazem hoje notar no espaço internacional, exemplos da existência de um Primeiro Mundo no Brasil.
Não foi pouco o que se conseguiu com esta exposição. Mas quem sabe no próximo futuro –e o ano 2000 seria perfeito– com a disponibilidade de prazos maiores, tenha-se condições de organizar uma manifestação que aperfeiçoe e amplie a atual.
A inclusão da arquitetura, que entre nós registrou fases de brilho, além das artes aplicadas e outros componentes culturais, como a fotografia, seriam, nesse caso, de presença imprescindível. Um trabalho museológico aplicado colocaria maior ênfase nas grandes e sucessivas tendências, prevendo-se salas especiais. Seria a conclusiva do século, com aberturas para o novo.
Os museus –pouco ou nada ativos ultimamente na realização de exposições históricas sustentadas na pesquisa, como ocorreu com frequência na década de 70 –e a própria Bienal, pelo que já demonstrou em gestões passadas e sobretudo na atual, poderiam assumir um compromisso dessa envergadura. Esperamos.

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