São Paulo, domingo, 15 de maio de 1994
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Desmanche

Até há pouco esperavam-se para este fim-de-semana, com as prévias do PMDB e a convenção do PSDB, as últimas definições no panorama sucessório. Acreditava-se na realidade que, escolhido o nome do candidato peemedebista, provavelmente o de Orestes Quércia, as campanhas finalmente decolariam e não haveria maiores sobressaltos ou indefinições sobre os candidatos à sucessão de Itamar Franco.
Contudo, na última quarta-feira, um acórdão do Supremo Tribunal Federal veio lançar uma série de novas possibilidades e muitas dúvidas sobre as eleições. De fato, o STF, ao decidir-se pela inconstitucionalidade de parte da lei 8.713 (a lei eleitoral), que impedia os micropartidos de lançar candidatos próprios à Presidência, deu ao senador José Sarney (PMDB-AP) mais chances de manter suas pretensões de voltar a ocupar o Planalto.
Sarney já não alimentava esperanças de derrotar Orestes Quércia nas prévias do PMDB e chegou mesmo a abandonar a disputa. Contava apenas com a possibilidade, ainda existente, de a denúncia contra o ex-governador de São Paulo, motivada pelas importações suspeitas de Israel, ser aceita pelo STJ. Nesse caso, o peemedebista poderia ver-se obrigado a renunciar ao posto de candidato, hipótese em que Sarney poderia ser convocado para ocupar o lugar de Quércia.
Agora, com a permissão aos micropartidos de lançar candidatos próprios e a possível reabertura dos prazos de filiação partidária (a ser decidida pelo STF na próxima quarta-feira), Sarney poderá eventualmente lançar-se candidato por uma legenda menor ou até mesmo por um colegiado delas.
E o ex-presidente vai embalado pelos números das pesquisas eleitorais. De fato, as mais recentes sondagens o colocam em segundo lugar, estatisticamente empatado com Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), e com maior penetração junto às classes mais populares.
Há que se considerar, porém, que Sarney ainda não está em campanha e, se de fato sair candidato, será um alvo fácil para seus adversários. Afinal, seu governo não deixou boas lembranças. Além disso, muitas denúncias contra ele nunca foram plenamente investigadas.
Já a candidatura Fernando Henrique Cardoso vive uma crise, agravada pela acentuada queda do candidato nas pesquisas de intenção de voto. De fato, o seu "namoro" com o PFL e a menor exposição à mídia, entre outros motivos, vêm-lhe custando preciosos pontos. E agora surge ainda a perspectiva de que Sarney, se sair candidato, seja capaz de seduzir parcela do PFL e até mesmo do PTB.
Mas não se pode ignorar que dois temas deverão ocupar a atenção dos brasileiros nos próximos meses: o bolso e a bola. E se Fernando Henrique nada pode fazer pela seleção brasileira na Copa do Mundo, ele é o autor de um plano econômico que certamente vai mexer com os bolsos de todos.
Se o plano der errado, FHC pode dar adeus a suas aspirações presidenciais. Se der certo, ele de fato terá chances de disputar o segundo turno com Lula. Mas, mesmo nessa hipótese, acumulam-se dúvidas. É verdade que FHC concebeu o plano. Mas há que se considerar que o presidente Itamar Franco e o ministro Rubens Ricupero dividirão com FHC as glórias de um eventual sucesso. E esse eventual sucesso será revertido em maior ou menor grau para a candidatura peessedebista se o presidente Itamar Franco assim o desejar. Resta saber se o Planalto, face às novas circunstâncias, seguirá apoiando o ex-ministro.
E aqui, novamente, volta o espectro da candidatura Sarney. Se o senador pelo Amapá não se candidatar, o presidente não terá outra escolha senão apoiar FHC. Mas, no caso de Sarney entrar na disputa, o Planalto ganha uma alternativa. Aliás, o ex-presidente parece mais próximo de alguns dos quadros que mais influenciam Itamar do que Fernando Henrique Cardoso.
Apesar da indefinição crescente, uma coisa é certa: as variáveis se multiplicaram e o panorama das candidaturas, que há pouco parecia bem mais definido, deve ficar ainda por algum tempo em suspenso. Mais uma vez, constata-se que, principalmente na política, tudo o que é sólido desmancha-se no ar.

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