São Paulo, domingo, 15 de maio de 1994
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O túnel e a luz

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Cito de memória: "Para os ricos, só existe um caminho para a conservação de sua fortuna: é se apoderar do Estado". A frase podia ser de Marx ou Maquiavel mas é de Lorenzo de Médici, nome de citação obrigatória quando se fala em Renascença. Contemporâneo de Leonardo, Michelangelo, Verrochio, Rafael –daquele miolo da Renascença que fez de Florença uma Atenas bem-sucedida, pois não havia Esparta para atrapalhar.
Ele nasceu rico, mas não nasceu sábio. As complicações da cidade-Estado somadas às rivalidades das grandes famílias, o atentado e o sangue em Santa Maria dei Fiori, tudo isso obrigou o jovem Lorenzo a aceitar o poder aos 20 anos –daí ele ter dito a frase que começa esta crônica e que pode parecer cínica e é bem mais do que isso.
Não temos, ao longo do território nacional, nada que se compare a Santa Maria dei Fiori e nossa Renascença ainda não aconteceu. Na atual campanha presidencial, é notável a vigilância do poder econômico sobre o poder político. Sempre foi assim, convenhamos, mas agora está mais "assim" do que antes. Para usar expressão em moda, a coisa ficou mais transparente. Antes, o poder econômico era difuso, diletante, a concentração de renda era menor. Hoje, o núcleo desse poder despreza as formas adjetivas do comando.
Bem verdade que há a revolução –idéia que anda em baixa depois da pisada na bola da União Soviética, que embaralhou os canais e deu no que deu. Suprimir o Estado é uma boa idéia, mas uma péssima prática: haverá sempre uma "nomenklatura" de anarquistas para garantir a continuidade da injustiça social.
Aos pobres, restará a solução semanal da sena e a quinquenal de votar num novo presidente que continuará tocando o bonde onde poucos vão sentados e o resto vai pendurado nos estribos.
Há, contudo, solução à vista. Pelo que li nos jornais, o Enéas será novamente candidato e a nação terá notável oportunidade de corrigir o erro de 1989, quando não o levou a sério e preferiu votar no Collor. Com Enéas no poder, tudo o que sobrar será lucro.

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