São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 1994
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As sementes de 90 e o novo país

LUÍS NASSIF

Sexta-feira, Pato Branco (cidade paranaense de 50 mil habitantes): numa sala do Sebrae, curso com dez pequenos empreiteiros locais ministrado por um consultor carioca. Tema: produtividade e qualidade.
Domingo, almoço de família: política, futebol e Fórmula 1 substituídos por relatos sobre inovações comerciais, novidades em treinamento de pessoal e naturalmente qualidade e produtividade.
Segunda, em casa: carta de prima do interior, dona de pequena escola, informando que já deu início a programas de qualidade e produtividade, valendo-se da estrutura do Sebrae de Minas Gerais.
Segunda à noite, Belo Horizonte: jantar com primo, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que informa que seu departamento já começou programas de qualidade. No mesmo jantar, outra prima, diretora de escola do Sesi, conta que desenvolveu método de gestão participativa com alunos de seis a dez anos.
Terça à tarde, Brasília: palestra para empresários do setor de transporte interestadual, que já começaram programas de qualidade e produtividade.
Quem tiver ouvidos para ouvir e olhos para ver, vai perceber nas mais diversas rodas que a nova paixão nacional são temas ligados à qualidade, produtividade e inovação. Não como conceitos etéreos, garimpados em livros importados ou em alguma tese acadêmica inescrutável. São idéias-força que passaram a habitar o dia-a-dia do brasileiro.
Ouve-se no horizonte da economia a atoarda cada vez mais próxima, prenúncio de um grande furacão que se avizinha, capaz de relançar a economia com toda a energia, nos próximos anos –se a política não atrapalhar.
A grande marcha
Enquanto macro-economistas continuam como birutas tontas em torno de suas fórmulas mirabolantes, a grande revolução da modernização brasileira está a pleno vapor. É ampla, nacional e irreversível, porque baseada no mais consistente dos fatores: a mudança de padrão cultural do país.
Tem-se, hoje em dia, o mesmo fogo renovador que acometeu o país no período JK quando cada empresa, por menor que fosse, tinha seu próprio plano de metas. Aprendera a sonhar e a ousar, tomada pelo fogo sagrado que acudia o país, lançando-o na primeira etapa do grande processo de modernização que dominaria as décadas seguintes.
Repete-se o fenômeno e –essencial– sem governo no meio. Há menos de quatro anos, quando o furacão Collor entrou desmontando tudo, abriu espaço para todas as loucuras, da incompetência atrevida de pessoas como Zélia e Santana, às rapinagens arrogantes de alagoanos.
Mas foi fundamental para possibilitar um conjunto de reformas que, pela primeira vez em décadas, rompeu com o impasse institucional e econômico do país. O processo foi interrompido pelas loucuras de seu grupo. Mas, plantada, a semente da modernização está germinando de maneira irresistível.
Ao mudar o enfoque do discurso, abrigando o novo e permitindo a pessoas como Dorothéa Werneck, Luiz Carlos Velloso Lucas e, principalmente, Antonio Maciel enfiar a modernização goela abaixo das empresas, a cada dia que passa mais nítido fica que o governo Collor, por suas grandes virtudes e por seus enormes defeitos, mudou a face do país –e de maneira irreversível.
Com as virtudes, induziu à modernização, chacoalhando o conformismo. Com os defeitos, deflagrou o processo de construção da cidadania.
Vai inevitavelmente entrar para a história como um dos quatro governos fundamentais que o país teve no século –ao lado de Vargas, JK e Castelo.

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