São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 1994
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Destino da Alemanha já estava decidido, diz historiador francês

ANDRÉ LAHÓZ
DO ENVIADO ESPECIAL A CAEN

Pierre Chaunu, 70, é um dos maiores historiadores franceses vivos. É professor de história na Sorbonne há mais de 20 anos e ultimamente tem participado de várias conferências sobre a Segunda Guerra Mundial.

Folha - Qual a importância do desembarque aliado na Normandia para a guerra?
Pierre Chaunu - O desembarque é algo muito impressionante sob muitos aspectos, mas é apenas um marco. Na verdade, a partir da entrada dos EUA na guerra a sorte da Alemanha já estava traçada. Afinal, estamos falando da maior potência econômica do mundo. E era apenas uma questão de tempo para que ela mostrasse seu poder militar. Sob esse aspecto, o desembarque é apenas uma consequência dessa superioridade.
O que não quer dizer que não havia problemas com os aliados. O maior deles era a fragilidade dessa aliança, por causa dos soviéticos. Hoje se sabe que os soviéticos conversavam com os alemães. Basta lembrar que anos anteriores Hitler e Stálin fizeram um acordo.
Folha - Há, portanto, um certo exagero em torno do dia D?
Chaunu - Não, pois tecnicamente o desembarque é algo único na história. É a soma do que havia de melhor em inteligência militar. Foram transportados 155 mil homens no primeiro dia e cerca de 2 milhões após um mês. Como engenharia, é prodigioso. Em 1944 também merece destaque a incrível resistência dos alemães. A guerra já estava perdida, mas essa resistência custou milhões de pessoas poderiam ter sido salvas. O número de mortos da guerra (50 milhões) poderia ter sido menor.
Folha - Os EUA foram então os verdadeiros vencedores?
Chaunu - Eles definiram o resultado da guerra, mas não há dúvida de que a aliança contou com o esforço de todos. Os americanos conseguiram boa parte da vitória em seu próprio país, que ficava a salvo das bombas. Os russos deram uma contribuição importante, não há a menor dúvida. E note que falo do povo russo, pois, pessoalmente, não vejo a menor diferença entre Hitler e Stálin.
Folha - E quanto aos ingleses?
Chaunu - Há três coisas nas quais os ingleses se mostraram grandiosos. Em primeiro lugar, na sua coragem quando a França foi invadida. Estavam sozinhos contra um inimigo mortal e não desistiram da luta. Em segundo lugar, no seu serviço secreto, que era imbatível –e, é preciso lembrar, uma boa informação não tem preço numa guerra. O terceiro ponto é a sua aviação. Não havia nada igual no mundo. Os aviadores ingleses eram artistas, e embora a guerra tenha mobilizado muitas pessoas, às vezes são essas homens que fazem a diferença. Como disse Churchill, "nunca a sorte de tantos homens dependeu de tão poucos". E, infelizmente, não havia muitos artistas, principalmente após quatro anos de guerra.
Folha - E os franceses?
Chaunu - Nós também tínhamos nossos artistas. Eram os membros da Resistência, que tinham uma função perigosíssima: passar informações para os ingleses. Mas, novamente, não sobravam muitos no final da guerra.
Folha - É possível surgir um novo Hitler na Alemanha hoje?
Chaunu - Acho isso completamente impossível. O povo alemão é fantástico e Hitler foi algo único na história, que não vai se repetir. Vejo com bons olhos a aproximação entre a Alemanha e a França.
Folha - Mas a extrema direita tem crescido na Europa.
Chaunu - É preciso diferenciar as coisas. Os neofascistas italianos não são a mesma coisa que Hitler. O extermínio que Hitler produziu o diferencia completamente dos atuais fascistas. Não acredito no surgimento de algo próximo ao hitlerismo. (AL)

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