São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 1994
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A ameaça do ministro

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – O ministro da Fazenda pediu que os fazedores de preços pensassem. Falou em tom de ameaça ou de conselho? Afinal, outra coisa os fazedores de preço não estão fazendo, principalmente após o anúncio do novo plano econômico. E como o Juquinha que só pensava em mulher, todo mundo sabe em quê os fazedores de preços estão pensando: nos próprios preços.
Se foi conselho, o ministro Rubens Ricupero perdeu tempo e latim. Se foi ameaça, resta saber o que o governo poderá fazer se os fazedores de preços continuarem fazendo os preços subirem. O Estado faliu, não tem recursos para operar o elementar (saúde, educação, segurança, previdência). Como vai criar uma rede de fiscalização, controle e castigo para aqueles que continuam aumentando os preços? No mínimo, é uma bravata.
Mas o próprio ministro deu-se o direito de aconselhar-se a pensar. Tanto pensou que também ele, depois de ensaiar a abolição sumária dos indexadores, pensou melhor e, como quem rasga dinheiro é maluco ou bêbado, voltou atrás e avisou que vai manter a Ufir –nunca se sabe o que vem pela frente e o governo garantirá a correção dos impostos, também é filho de Deus e precisa do leite das crianças. Só que as crianças do governo são crescidinhas e o caso delas não é bem de leite.
Ainda bem que somos um povo de Pascais, Marco Aurélios, Kants e Descartes. Todos pensamos, profundamente, mesmo que em nada. Parreira pensa se escala dois ou três atacantes, se coloca Leonardo no lugar de Branco. José Sarney pensa se apoia Quércia ou FHC, Luíza Brunet pensa se opera ou não opera os seios, Chico Anysio pensa se acaba ou não com a "Escolinha do Professor Raimundo" (um pleonasmo da vida nacional), Castor de Andrade pensa se se entrega ou não à polícia – não é por falta de pensar que estamos encruados.
Seguindo o conselho do ministro, também eu estou pensando. Se tivesse vinte anos a menos, iria tentar a vida nas Ilhas Papuas, onde seria livre para não pensar em nada. Como não tenho alternativa –como o cavalo fatigado que procura um canto para morrer– dou-me ao luxo de pensar em como foi boa a vida enquanto o governo não me obrigava a pensar.

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