São Paulo, segunda-feira, 6 de junho de 1994 |
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Viva o Canadá
JOSIAS DE SOUZA BRASÍLIA – Postado diante da televisão, o torcedor brasileiro, ventando otimismo, esperava de sua seleção uma atuação ereta. O palco fora armado com especial zelo.Imaginava-se que nada poderia estragar a apoteose do Brasil. O fraco, o medíocre time do Canadá entrou em campo como cristão numa arena de leões famintos. Súbito, fomos surpreendidos pela catástrofe. Os pernas-de-pau tosaram a juba dos craques. Nossos jogadores entraram em campo como feras intratáveis. Tinham na boca o sabor da vitória antegozada. Deixaram o gramado como dóceis leões de circo. Sempre se poderá objetar que não perdemos a partida. Bobagem. Num jogo como o de ontem, qualquer resultado abaixo de seis gols sempre será para o Brasil a mais humilhante, a mais degradante derrota. O Canadá deu no Brasil um banho de humildade, eis o ponto a ser realçado. Prestou-nos um inestimável serviço. Vi no sábado, pela televisão, uma entrevista em que o técnico canadense revelou o seu inconfessável desejo: queria perder de pouco. Sim, o Brasil empatou com canadenses que, já na véspera do combate, carregavam dentro de si a alma da derrota. Insisto: empatamos com um adversário que entrou em campo de joelhos. Sou um obsessivo, um teimoso. Por isso volto ao que disse semana passada: a lua-de-mel antecipada pela torcida estraga a seleção. O time deve ser desfeiteado, deve ser chamado aos brios, precisa ouvir vaias. Pois bem, anotem o que digo: o Brasil pode ter começado a ganhar a Copa ontem. A humilhação do empate, comemorado em todo o Canadá como a conquista de uma bastilha, pode ser a nossa redenção. Note bem a ironia: a tragédia do Canadá fez soar no ouvido de cada jogador brasileiro a vaia sonegada pela torcida. Precisamos cruzar um oceano para ouvir apupos que deveriam ter sido providenciados aqui mesmo, no Galeão. Os canadenses podaram o salto do nosso time. Voltamos a pisar em terra firme. Se conquistarmos o caneco, seremos eternos devedores do Canadá. Aliás, o tetra, se vier, deve ser dedicado ao escrete canadense. Texto Anterior: A ameaça do ministro Próximo Texto: A força de Lula Índice |
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