São Paulo, quinta-feira, 16 de junho de 1994
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Cinema perde elegância de Mancini

SERGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Se perguntássemos a um "expert" em música de cinema o que Henry Mancini, que morreu anteontem em Los Angeles (EUA), aos 70 anos, e Bernard Herrmann (1911-1975) tinham em comum, ele diria que nada. Musicalmente, estaria correto. Mancini e Herrmann tinham, contudo, algo em comum. Ambos foram lançados por Orson Welles –Herrmann em "Cidadão Kane" e Mancini em "A Marca da Maldade" (Touch of Evil)–, e só depois se notabilizaram por suas parcerias com, respectivamente, Alfred Hitchcock e Blake Edwards.
Antes de estrear de maneira brilhante no thriller de Welles, Mancini passou seis anos aprendendo seu ofício na Universal. Começou adaptando velhas partituras conservadas nos arquivos do estúdio para "westerns" e seriados vira-latas, cuidando depois dos arranjos das cinebiografias de Glenn Miller ("Música e Lágrimas") e Benny Goodman ("Música Irresistível de Benny Goodman").
O impacto provocado pela jazzística trilha de "A Marca da Maldade", com temas influenciados por Stan Kenton e até por pianistas de bordel, chamou a atenção de Edwards, que em 1958 procurava um músico novo, talentoso e barato para compor o prefixo da telessérie "Peter Gunn". O jovem (34 anos), talentoso e barato Mancini entrou rachando. A fanfarra que a seguir compôs para "Dizem que É Amor" (High Time) só não ficou também gravada na memória de todo mundo porque, daquela vez, Edwards nem sequer chutou na trave.
Parceria
Elmer Bernstein já havia utilizado o jazz em suas trilhas sonoras, Victor Young já havia feito canções que saltaram da tela para as vitrolas, mas com Mancini essas reaproximacões atingiram níveis nunca igualados. Rompendo com a tradição sinfônica dos grandes mestres de Hollywood (Young, Miklos Rozsa, Max Steiner, Alfred Newman etc), que parecia esgotada no final dos anos 50, Mancini impôs-se como um paradigma da simbiose que entre a música de cinema e a música pop se estabeleceu nos anos 60. O que significa que seu jazz era pura (ainda que prazerosa) diluição.
Os puristas o consideravam um "musakeiro" sofisticado, não muito mais do que isso. Pouco ou nenhum valor davam aos sons inventivos que ele sabia, como poucos, extrair de uma combinação de harpa, clarinete, piano, guitarra, vibrafone e violoncelos. Desdenhavam, ainda, a sua extrema habilidade para manipular contornos melódicos e harmônicos. Achavam-no leviano, reducionista, decorativo, monótono e apelativo. Sobretudo quando ele readaptava seus arranjos originais para o gosto dos compradores de LPs.
Pela vereda por ele aberta entraram Neal Hefti, Quincy Jones, Burt Bacharach, Dave Grusin etc. Nenhum deixou obra mais rica, elegante e pessoal. Ouça com atenção, respeito e carinho as trilhas de "Hatari", "Bonequinha de Luxo", "Um Caminho Para Dois" (Two For the Road), "Vício Maldito", "A Marca da Maldade" (existe uma gravação da Citadel CT-6015), "Quanto Vale um Homem" (Soldier in the Rain) e "Forca Sinistra" (Lifeforce). E comprove com seus próprios ouvidos que os puristas estavam de má vontade.
Mancini, definitivamente, não era o Ray Conniff das trilhas sonoras.

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