São Paulo, quinta-feira, 16 de junho de 1994
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Fim da censura paralisa cinema de Wajda

JAIR RATTNER
DE LISBOA

O cineasta polonês Andrzej Wajda, 68, (pronuncia-se Andrei Vaida) está em crise. Wajda, que elaborou os argumentos e dirigiu "O Homem de Ferro", "O Homem de Mármore" e "Danton, o Processo da Revolução", não consegue mais criar roteiros para filmar.
Os motivos da crise são políticos: sem um regime autoritário para se contrapor, sente que não consegue falar diretamente para o público.
Na falta do cinema, Wajda está trabalhando em teatro. Dirige a companhia polonesa Stary Teatr, de Cracóvia, onde monta peças clássicas.
Já fez três montagens diferentes e um filme a partir da peça "A Boda", do polonês Stanislaw Wyspianski. Em Lisboa, onde veio apresentar a montagem, Wajda falou à Folha.

Folha - O sr. deixou de fazer cinema para ficar só no teatro. Por quê?
Andrzej Wajda - A situação na Polônia mudou, mudou o público, mudaram os problemas e todos os meus projetos antigos deixaram de ser atuais.
Muitos dos projetos, eu não conseguia realizar por causa da censura. Agora desapareceu a censura, mas também desapareceu o interesse por esses temas.
Folha - E agora o sr. mudou os temas.
Wajda -Eu estou à procura de um tema novo, de uma problemática nova, porque é muito difícil mudar de uma situação em que vivi 40 anos e para a qual já não há tanto interesse.
Nunca na Polônia as salas de cinema foram tão invadidas com filmes de diversão, de humor.
Folha - O que mudou no cinema?
Wajda - O contexto cinematográfico da época em que eu dirigia filmes tinha como diretores mais populares na Polônia Bergman, Fellini, Kurosawa, Antonioni. Eu fazia parte desta linha. Agora, o repertório do cinema mudou.
Folha - O sr. era o mais conhecido diretor polonês de cinema. Agora Kieslowski é o primeiro nome. Como vê o cinema de Kieslowski?
Wajda - Eu gosto do cinema dele. Estou contente com o êxito que alcançou, porque é o sucesso do cinema polonês.
Ele conseguiu alcançar também o público francês, que vê os filmes de Kieslowski como se fossem filmes franceses. Ele foi o único que conseguiu isso.
Folha - O Kieslowski seria um diretor para fora da Polônia e não para o público polonês?
Wajda - Sim. É uma conclusão correta porque os filmes de Kieslowski não tiveram tanto êxito na Polônia como fora.
Folha - Parece que o sr. avalia mais os filmes com base no sucesso que têm com o público do que na sua construção...
Wajda - Não se pode fazer cinema sem êxito, porque ninguém dá dinheiro para fazer os filmes. O sucesso não é uma avaliação positiva ou negativa, mas é difícil fazer cinema para si próprio.
Folha - O sr. fez três montagens da peça "A Boda" e um filme. Por que voltar ao assunto?
Wajda - É um tema extremamente importante para os poloneses. Fala de algo de básico para o país e qualquer diretor de teatro tem que se confrontar com este tema, que tem muito a ver comigo. É um desafio pessoal.
Folha - Este desafio é o da identidade polonesa?
Wajda - Sim, pode-se considerar que esta peça reflete de uma forma bastante forte o caráter e o espírito polonês.
Folha - O sr. parece estar em busca de um teatro clássico. Por quê?
Wajda - O teatro europeu e a cultura européia em si têm uma tradição basicamente literária, que tem reflexos claros no teatro.
É natural virar-me para este tipo de peças, de Sófocles, Shakespeare, Strindberg e Tchekov. Nas experiências teatrais, a procura de novidades formais são momentâneas, mas depois volta-se outra vez para a literatura.
Folha - O sr. planeja ir ao Brasil?
Wajda - Eu estive no Brasil num festival internacional de teatro, há 15 anos, no Rio. O Brasil é interessante, com os seus contrastes. É um país muito inspirador, especialmente para o cinema.
Folha - Gostaria de fazer um filme sobre o Brasil?
Wajda - Sim. Seria interessante, porque há muitas memórias escritas por poloneses no Brasil. Especialmente dos que emigraram para lá no final do século passado.

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