São Paulo, quinta-feira, 16 de junho de 1994
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Buchada de bode

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Um presidente da República que, durante a campanha eleitoral, comeu buchada de bode, é como os frades espanhóis que aparecem nos antigos romances de capa-e-espada: deles se pode esperar as piores coisas. O próprio Lula, que é chegado a esses bródios folclóricos, parece que não vai além do frango com polenta. Até para ele a buchada de bode é dose.
FHC provou e gostou. Comerá rabo de cachorro à tailandesa, formigas malaias, crocodilos do Nilo e urubus das Ilhas Papuas: quer chegar lá e esses abrolhos ele tira de letra.
Legítimo mesmo é o professor Enéas: prefere ficar com meio por cento do eleitorado, mas não trairá seus ideais culinários.
É muito importante o cardápio eleitoral. Até a eleição passada, a "piéce de résistence" era a maionese feita pela mulher do dirigente local que hospedava o candidato: letal para a saúde, mas suportável para o paladar. A buchada de bode é uma etapa avançada de nossos costumes políticos.
Houve o caso de Juarez Távora, que disputou a Presidência com Juscelino Kubistchek. Durante a campanha, JK enfrentou colossais arapucas, leitões trufados, tatus recheados, comeu até veado num churrasco incrementado, ali pelos sítios de Marajó. Bom de garfo e de urna, topava tudo, mas conseguiu driblar a buchada de bode, que ainda não entrara em moda.
Por sua vez, Juarez Távora cultivava uma úlcera, creio que no duodeno ou imediações. Levava na comitiva um estoque de frangos. Mas nada de dourar os frangos: eram servidos na água e sal, esbranquiçados, patibulares, cadavéricos. A mulher de um presidente de diretório confessou que teve vontade de vomitar quando viu o tal frango sair de sua decantada cozinha. Apesar de seus méritos cívicos, Juarez perdeu feio para JK.
Daí a necessidade de se testar os candidatos com a buchada de bode. Depois de passar pela provação, tudo será lucro e é possível até que o candidato seja um presidente. O diabo é se, depois de eleito, baixar medida provisória incluindo o bode na cesta básica.

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