São Paulo, quinta-feira, 16 de junho de 1994
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A universidade pública presta contas

JOSÉ ARISTODEMO PINOTTI

A Folha, nestes últimos dias, juntamente com os reitores e professores das três universidades de São Paulo, vem prestando um grande serviço à população: o debate interno sobre salários dessas instituições públicas se tornou público, cumprindo parcialmente a obrigação de prestar contas a quem a mantém. Neste país de corporações, frequentemente os acadêmicos se esquecem que a universidade é uma instituição mantida pelo cidadão, para servi-lo.
Em editorial de 1º de junho, a Folha expressa essa idéia e levanta questões importantes, que passaram a ser discutidas publicamente por articulistas na edição de 4 de junho, como a rejeição do "establishment" universitário à avaliação de produtividade, o necessário equilíbrio entre a priorização do ensino superior e o ensino básico e se são necessários mais recursos para a universidade.
Eu acrescentaria outras que também merecem reflexão em âmbito maior que o da própria universidade: o vestibular, que acaba colocando na universidade pública e gratuita os filhos das famílias abastadas, discriminando os demais, por não poderem pagar cursinhos e estudar durante o dia sem trabalhar, e a forma de escolha dos reitores, através da eleição pela comunidade interna, que acaba por reforçar a corporação e colocar os dirigentes universitários como reféns dessa comunidade, distanciando cada vez mais a universidade da sociedade.
Esta forma estranha de escolha –à qual apenas a Universidade de São Paulo ainda consegue resistir parcialmente– se aplicada aos governos estaduais ou federal, nos levaria a ter o governador e o presidente da República escolhidos pelos funcionários públicos e não pelo povo. Pode-se imaginar o conflito de interesses daí resultante.
Entretanto, a questão maior e fundamental é o papel e o compromisso institucional da universidade com o país e dos professores universitários com a própria universidade.
Se quisermos retomar o desenvolvimento, precisamos dar prioridade à universidade pública –que em São Paulo ainda mantém um razoável grau de excelência–, pois é lá que estão a ciência e a tecnologia indispensáveis ao desenvolvimento do país, bem como a formação das lideranças intelectuais.
Para isso o controle do corporativismo, a descentralização do poder dentro dos campi e a derrubada dos muros das instituições acadêmicas são fundamentais.
Democratizando-se (não vamos confundir democracia com eleição direta de reitor), integrando-se efetivamente com a comunidade e diagnosticando-se criticamente –através da investigação e busca da verdade, que são seus valores maiores–, a universidade poderá criar conhecimentos novos que ajudem mais e melhor na solução dos problemas nacionais, formar profissionais competentes para gerar mudanças nas políticas públicas, econômicas e sociais e propor modelos de atuação em diferentes áreas para serem reproduzidos pelos governos.
O salário justo dos docentes e trabalhadores da universidade, dentro de uma política correta e moderna de recursos humanos, é, sem dúvida, importante para que isso aconteça, mas não é, seguramente, a única condição.
Ficaria feliz no dia em que a universidade entrasse em greve devido ao ensino precário, pela falta de acesso democrático aos alunos pobres ou pela baixa produtividade de seus docentes e pesquisadores, porque isso demonstraria mais compromisso institucional de seus membros e menos corporativismo.
Meu amigo e mestre Zeferino Vaz dizia "a universidade é feita para servir ao homem `qualunque' (lembrando o qualunquismo do pós-Segunda Guerra Mundial) e, dentro da universidade, a primeira prioridade é o homem, a segunda é o homem e a terceira também é o homem".
Ele soube criar, a seu tempo, soluções de compromissos e equilíbrio entre a corporação universitária (constituída pelos homens e mulheres que lá trabalham) e o objetivo social da instituição (o homem "qualunque"). Eu procurei segui-lo, quando reitor. Essa foi a raiz do sucesso da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

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