São Paulo, domingo, 19 de junho de 1994
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A RAINHA DA FESTA

CONTINUAÇÃO

Mas não só de profissionais vive a caça à bola. Elemento de aglutinação social, ela reúne em torno de si uma legião de peladeiros –os diletantes que, em ação, revivem o sonho íntimo de quase todo garoto brasileiro: ser um craque de futebol.
Da periferia aos bairros mais abastados, dos analfabetos aos intelectuais, é impossível não encontrar, no Brasil, em qualquer posição da pirâmide social, um fervoroso adepto da pelada. Rogério Fasano, 32, é um deles.
O dono do impecável restaurante que leva o sobrenome da família, situado nos Jardins, em São Paulo, costuma encontrar os amigos em bate-bola semanal, realizado em um gramadinho na rua Polônia, zona sul da cidade. "Jogo há oito anos. É uma terapia", diz.
No mesmo lugar atua o publicitário Márcio Castanho, 38, peladeiro frustado por não ter sido jogador profissional. Ex-meia juvenil da Portuguesa e do Juventus, não resistiu à pressão da família contra suas pretensões futebolísticas. "Eu era magrinho, jogava bem. Agora, apesar da barriga e do uísque, jogo duas vezes por semana." Com direito a terceiro tempo –o da cerveja.
O artista plástico e "arquiteto aposentado" Newton Mesquita, 45, "corpo de 44", afirma ter o futebol do zagueiro bicampeão mundial Nilton Santos. Mas se autoproclama "centroavante rompedor". "Faço embaixada com maçã", gaba-se, referindo-se ao exercício de manter com o mesmo pé, em repetidos chutes, uma bola no ar.
A comparação com o craque do passado é mais uma bravata de peladeiro, segundo os amigos que participam das pelejas no Clube do Mé, junto à ponte Cidade Jardim. Para Mesquita, a pelada é um privilégio dos homens e o que resta de seu tempo de moleque. "Mulheres nunca se encontram para brincar de boneca", compara.
Não mesmo. Elas estão cada vez mais interessadas em campos de futebol. Não para assistir, mas para participar do jogo. Nos EUA, país onde 66% dos habitantes admitiam, em pesquisa feita na semana passada, desconhecer o lugar em que se disputaria a Copa, o futebol atrai uma multidão de praticantes de saias. São elas as principais adeptas do "soccer" –como os americanos chamam o esporte.
Também no Brasil, onde ainda ouve-se a máxima masculina de que "futebol é jogo para macho", cada vez mais moças entram em campo. Há torneios femininos na várzea, em universidades e clubes.
Adriana "Drica" Aidar, 28, estudante de educação física da FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), organiza peladas de futebol com as amigas desde 1991. Centroavante, deu seus primeiros chutes aos 10 anos, brincando com o irmão na porta da garagem de casa. "Sempre com a bola grande de couro", diz.
A equipe de Drica quase se inscreveu num campeonato municipal, mas em cima da hora acabou desistindo: "A gente não ia dar conta. Tinha mulher que parecia homem e o nosso time é só de gatas", justifica. Mas das peladinhas da turma, o grupo não abre mão. "Os namorados ficam procurando, mas é o nosso dia de jogar e tomar cerveja entre mulheres", diz.
Embora só recentemente as moças tenham entrado no jogo, a atração pelo toque da bola com os pés é um fenômeno antigo. Há quem diga que a cabeça humana teria sido a macabra antepassada da bola de futebol, no ritual de antigos guerreiros que cortavam e chutavam o crânio de inimigos derrotados.
De qualquer modo, sabe-se que na China, a 2.600 anos antes de Cristo, um certo "tsu-chu" (que significa golpear a bola com o pé) era praticado por soldados, utilizando bolas de couro, com 22 cm de diâmetro, recheadas de cabelos e crinas. Na mesma época, no Japão, que agora descobre o futebol, existiu o "kemari", uma modalidade que consistia em passar a bola de pé em pé sem deixá-la tocar o chão.
Egípcios e babilônios também chutaram pelotas, feitas com bexigas de boi cheias de ar. Os gregos jogavam o "epyskiros" e os romanos, o "harpastum", que acabou chegando à Gália e à Bretanha.
Teria surgido assim, na Idade Média e no Renascimento, o "calcio" italiano, o "soule" francês e o "mob football" dos ingleses. Foram os britânicos que acabaram por sistematizar o formato do futebol atual, no ano de 1863. Um século depois, a bola reina no mundo.
(continua)

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