São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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'Milagre' dos anos 70 reduziu pobreza

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

Na década de 70, o Produto Interno Bruto Brasileiro (PIB, quantidade de bens e serviços produzidos no país) cresceu 81%. O número de pobres se reduziu de 45 milhões em 1970 (ou 47% da população) para 30 milhões em 1980 (25%).
É a demonstração inequívoca de que o crescimento econômico é condição essencial e eficaz de redução da pobreza, ainda que certas regiões pobres, como o Nordeste Rural, reajam pouco ao desenvolvimento.
A contra-prova está no que ocorreu na década de 80. Nesse período, a chamada década perdida, o PIB per capita declinou 4%, em meio à crise inflacionária, e o número de pobres subiu para 39 milhões em 1990, representando 27% da população.
Verifica-se, entretanto, que a porcentagem de pobres continuou, em 1990, bem menor do que a verificada em 1970, quando se iniciou um forte ciclo de crescimento.
Isso significa que os efeitos do crescimento econômico são permanentes, ou pelo menos duram mais do que uma década.
Os dados acima constam do documento "Da condição de pobre à de não-pobre - modelos rurais e urbanos de combate à pobreza", de Roberto Cavalcanti de Albuquerque, do Instituto Nacional de Altos Estudos.
O autor utiliza o seguinte conceito de pobreza crítica (ou absoluta): uma condição socio-familiar na qual a pessoa não tem atendidas suas necessidades básicas.
Em termos númericos, a pessoa está em pobreza absoluta quando sua renda familiar per capita é igual ou inferior a US$ 35 mensais ou US$ 417 anuais.
Significa, por exemplo, que um casal com três filhos está em estado de pobreza absoluta se a renda familiar mensal for inferior a US$ 175, pouco menos de três salários mínimos.
Diferenças
As análises mais interessantes de Cavalcanti Albuquerque são as que mostram os diferentes tipos de pobreza encontrados no Brasil. E que exigem diferentes modelos de combate.
O sociólogo mostra que a ignorância a respeito das causas de um determinado tipo de pobreza podem levar, e frequentemente levam, a gastos inúteis.
O exemplo está no Nordeste Rural. Nos últimos 20 anos, foram aplicados US$ 4 bilhões em programas antipobreza nessa região. As emigrações não cessaram e, na década de 80, o número de pobres cresceu de 11 milhões (66% da população local) para 12,6 milhões (69%).
Ou foram programas equivocados ou parte do dinheiro se perdeu pelo caminho ou, o que é mais provável, as duas coisas ao mesmo tempo. Apesar disso, a região continua necessitando de programas assistenciais especiais.
Ocorre que nesse Nordeste Rural, observa Cavalcanti Albuquerque, a pobreza é endêmica e estrutural. Ou, "ali a pobreza é destino".
A conclusão não é poética, mas matemática. Os estudos mostram que a renda global dessa região precisaria crescer nada menos que 34% para que se acabasse a pobreza crítica.
Em outras palavras, é necessário um crescimento econômico muito forte para que seus efeitos beneficiem os mais pobres. Isso significa que o combate à pobreza exige políticas assistenciais, mesmo em ambiente de desenvolvimento.
Para comparar: no Sudeste Metropolitano, região que, no estudo de Cavalcanti Albuquerque, inclui as áreas de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, basta um crescimento da renda de 0,7% para que desapareceça a pobreza crítica.
Pobres na pobreza
O Nordeste Rural é, no conjunto, uma região extramemante pobre. Tem 13% da população brasileira e apenas 3% da renda nacional.
A renda per capita anual é de apenas US$ 435, pouco acima da linha de pobreza (US$ 417). E a renda anual dos "não-pobres" é de US$ 961, pouco mais de duas vezes acima da linha de pobreza absoluta.
A renda per capital anual dos pobres é de reduzidos US$ 201, ou 50% abaixo da linha de pobreza, cinco vezes menor que a renda dos "não-pobres". São 12,6 milhões de pessoas, representando 32% dos pobres brasileiros.
Para Cavalcanti Albuquerque, a persistência da pobreza rural no Nordeste não se explica apenas pelas dificuldades impostas pela natureza (a seca) nem por razões econômicas e políticas.
As causas encontram-se mais, diz ele, concepções de mundo do homem rural: "formas de percepção e compreensão míticas, tradicionais e modernas, em confuso amálgama, gerando em muitos casos imobilismo nas relações interpessoais e passividade ante os desafios na natureza".
A região é pré-capitalista e assim tem sido mantida. Exige desde políticas assistenciais até políticas de modernização econômica.

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