São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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A reengenharia do judiciário

JOSÉ RENATO NALINI

O povo está julgando com rigor a Justiça. O Judiciário caiu ainda mais no conceito da população nos últimos meses (FSP de 18.05.1994. p. 1-4). Explica-se o fenômeno: a democracia participativa e a transparência imposta pela Constituição de 1988 resulta em exigência de atuação eficiente.
Não parece necessário outro diagnóstico da crise do Judiciário brasileiro. Todos os principais operadores sabem onde residem os pontos de estrangulamento, fazendo da outorga jurisdicional uma prestação morosa e bastante aquém das necessidades.
É preciso acelerar o processo otimizador desse serviço. Ampliando a instalação dos juizados especiais e levando-se também para a Justiça criminal. Legislando sobre procedimento, para simplificar processos ainda caracterizados por formalismos exagerados. Adotando alternativas de reduzir o acúmulo de feitos na segunda instância, fator evidente de descrença na solução judicial das controvérsias.
Uma reflexão auxiliaria a tomada dessas decisões políticas. É transplantar, para a Justiça brasileira, o conceito de reengenharia, no sentido de profunda e significativa mudança em uma organização, com a finalidade de torná-la mais produtiva e capaz de atender aos anseios do mercado em que atua.
Não se trata de privatizar a Justiça. Mas de trazer para ela experiências de sucesso já provadas em empresa particular, que não tem por si o Erário para cobrir suas despesas.
Desde logo, três conceitos poderiam servir para alterar os paradigmas dos administradores da Justiça: a produtividade, a qualidade e os custos.
A Justiça precisa produzir mais. Isso não depende, necessariamente, de multiplicação de cargos de juízes. A cada cargo de juiz corresponde também a criação de cargo de promotor, de funcionários para os cartórios e a cadeia se amplia em rumo inverso à da necessidade de enxugamento do poder público.
É preciso, sim, propiciar ao juiz condições de produzir mais, liberando-se-o de tarefas burocráticas e menores. Auxiliando-o com a cibernética, dando-lhe servidores mais qualificados e estimulados por carreira atrativa.
A qualidade intrínseca das decisões é boa. Cobra-se falta de decisões, não sentenças mais elaboradas. Todavia, qualidade é também adequação às expectativas. Qual o percentual de sentenças que atinge o núcleo da controvérsia, reduzindo os conflitos e trazendo harmonia e não se perdendo em questões processuais?
A obtenção de uma qualidade total é tarefa permanente e depende de motivação dos juízes. São eles os formuladores ideais das modificações essenciais à conversão da Justiça em prestação ágil, eficaz, descomplicada e a todos acessível. Precisa haver espaço institucionalizado para essa tarefa.
E o Judiciário, poder estatal mantido com a contribuição de um povo cada vez mais pobre, não pode perder de vista o aspecto dos custos. Desde a utilização plena dos equipamentos físicos –não se justificando ociosidade pelas manhãs e no período noturno nos prédios da Justiça– até a análise do custo de um processo, de seu início até sua execução.
A fase é propícia a uma reflexão desse gênero. Procede-se a uma reengenharia do próprio Estado brasileiro e o Judiciário, parte dessa estrutura, não deve se alienar, nem centrar seus esforços no sentido de evitar o controle externo. A multiplicação dos serviços, a sua eficiência e o acesso ampliado garantirão uma reversão do estágio atual de descrença. E essa missão depende só dele, integrado por quadros notáveis na formação ética e técnico-jurídica.

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