São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Comissão estuda legislação de combate ao crime organizado

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA A FOLHA

O governo federal quer uma legislação específica para combater o crime organizado.
Em l9 de maio, o ministro da Justiça, Alexandre Dupeyrat Martins, montou uma comissão para elaborar os projetos de lei necessários. Os trabalhos deverão estar concluídos em 19 de agosto.
"O país tem assistido ao crescimento do poder de organizações que atuam à margem da lei. Quanto mais tarde o problema for enfrentado, mais difícil será combatê-lo", disse Dupeyrat durante o 2º Congresso Internacional de Direito da Universidade de Mogi das Cruzes, realizado de 21 a 23 de junho.
O modelo inspirador dos estudos brasileiros vem da Itália, onde está em curso a Operação Mãos Limpas. Lá, a legislação penal permitiu desmantelar uma gigantesca rede de corrupção.
Antonio Tomás Bentivoglio, coordenador geral da comissão, informou, no congresso, que deverão ser elaboradas oito propostas.
A primeira –que está pronta e já foi aprovada pelo Itamaraty– é um tratado de cooperação internacional, que possibilitará a quebra do sigilo bancário, prisões e confisco de bens no exterior.
Outro projeto propõe alterações na Lei de Enriquecimento Ilícito, para obrigar o suspeito a informar qual a origem dos seus bens. Caberá ao acusado provar que seu patrimônio foi obtido licitamente.
A regulamentação da escuta telefônica como meio de prova está entre as prioridades da comissão.
Apesar de prevista na Constituição, o Supremo Tribunal Federal proibe a escuta como prova até que seja regulamentada por lei.
Carlos Eduardo de Athayde Buono, presidente da comissão, lembrou que é necessário criar mecanismos que provoquem a quebra da "lei do silêncio".
Segundo Buono, a solidariedade entre o corrupto e o corruptor é um dos maiores obstáculos nas investigações.
Para atingir esse objetivo, a comissão prepara projeto que permite acordos entre defesa e acusação. Isso possibilitará, por exemplo, que o acusado confesse o crime e obtenha redução da condenação.
A pena poderá sofrer uma nova redução se o acusado, além de confessar o crime, delatar outros envolvidos. Será a "lei dos arrependidos" brasileira, baseada na lei italiana do mesmo nome.
O professor de Direito Penal da USP, Paulo José da Costa, alertou para os perigos da delação. Segundo ele, deve-se tomar cuidado para não instaurar processo sem investigar se a denúncia procede."Pode-se expor um inocente à execração pública", afirmou.
Outro projeto refere-se à recuperação de recursos desviados dos cofres públicos. Segundo Bentivoglio, a proposta condicionará a concessão de benefício legal à devolução do dinheiro.
Quanto às empresas, a comissão pretende criminalizar a apresentação de balanços falsos. Entre as penas propostas deverá estar a extinção da empresa envolvida em esquema de corrupção.
Por último, a comissão quer regulamentar as investigações em empresas "off shore", sediadas nos chamados paraísos fiscais. Segundo Bentivoglio, uma grande parte dessas empresas é constituída para lavar dinheiro sujo.
A quebra da imunidade parlamentar para crimes comuns também vai ser analisada na comissão.
Buono defendeu durante o congresso mais poderes para o Ministério Público.
Para ele, que é procurador de Justiça do Estado de São Paulo, o Ministério Público deve ter poder para determinar a interceptação telefônica e a prisão preventiva em casos urgentes, como de fuga.

Texto Anterior: A reengenharia do judiciário
Próximo Texto: 'Meu sonho ainda é a seleção brasileira'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.