São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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Dinheiro segue ao pé da letra regras do BC

JOÃO CARLOS DE OLIVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Em junho, os investidores trocaram as aplicações prefixadas (os juros embutem uma expectativa de inflação) pelas pós-fixadas. Os recursos migraram dos títulos privados para os públicos. A caderneta de poupança e os fundos de commodities atraíram mais investidores.
Esta migração obedeceu a lógica das regras estabelecidas pelo próprio Banco Central (BC) para a transição ao real.
O medo –próprio dos momentos de transição– provocou algum crescimento (US$ 300 milhões) do papel-moeda em poder do público. A inflação beira os 50% este mês. O que equivale dizer que o dinheiro que está no bolso perde 1,95% do seu valor a cada dia.
Excessivamente tributado e enfrentando a competição dos novos fundões em URV (que rendem mais), o antigo fundão murchou em US$ 1 bilhão apenas nos primeiros 16 dias de junho.
Os números, porém, não indicam um comportamento frenético de migração –como ocorreu na véspera de outros planos.
Antes do Plano Collor, por exemplo, os depósitos superaram os saques na poupança, segundo o presidente da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), João Batista Gatti, em quase 50%. Os analistas acreditavam que a caderneta seria uma das únicas alternativas de aplicação que escapariam ilesas.
É que, segundo o consultor José Roberto Mendonça de Barros, da MBA, no Plano Real, ao contrário dos anteriores, a tensão "está na cadeia produtiva e não na estrutura das aplicações financeiras".
"Floating"
O que existe é a disputa entre indústria e comércio para ver quem vai ficar com o "floating". Este é o nome que os economistas dão ao ganho que a inflação propicia quando há prazo entre a venda e o pagamento.
Os supermercados, por exemplo, compram a prazo e vendem à vista. Logo, podiam aceitar que os preços da indústria embutissem o custo financeiro, já que os recursos obtidos nas vendas poderiam ficar aplicados por até 20 dias.
Na prática, os supermercados compravam por 10, vendiam por 8 e buscavam no mercado financeiro mais do que a diferença.
Mas é consenso entre os analistas que, depois do real, a inflação vai cair e o "floating" vai desaparecer. Daí a necessidade de ajuste nos preços e na relação entre comércio e indústria.
"Os supermercados ficaram espremidos entre dois muros", diz Mendonça de Barros.
Primeiro, tentaram negociar o `floating' com a indústria. Só que a indústria é muito mais oligopolizada ou, nas palavras de Mendonça de Barros, "é gente mais poderosa do que eles".
Depois, decidiram embutir no preço o ganho do "floating" que iriam perder. Aí os supermercados "passaram a ter problemas com a clientela e com o governo".
Nicola Tingas, economista do banco Norchem, concorda e alinha mais dois fatores para explicar o comportamento dos ativos financeiros.
"O governo criou uma regra de indexação quase perfeita para fazer a transição –a URV e a TR com base no juro diário–, o que permitiu que os investidores considerassem que não haveria perda em seus porta-fólios."
Tingas lembra ainda que, depois de tantos planos fracassados, "a população está cética, o que acaba beneficiando a transição, já que as pessoas passam a agir com muito mais cautela e sem precipitações".
Para ele, a partir de 1º de julho, o mercado financeiro vai operar uma troca no sistema de indexação –que deixará de ser baseado na correção monetária e passa a ser baseado no juro.
Também neste movimento o governo parece estar sendo, até agora, bem-sucedido. "No mercado, as estimativas de inflação para julho giram entre 3% e 5%, dependendo do efeito estatístico, e há um certo consenso de que o juro efetivo ficará ao redor de 8%."

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