São Paulo, domingo, 26 de junho de 1994
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Sem dólares, plano da Argentina cai na real

OSCAR PILAGALLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois da proeza de conciliar rápido crescimento e eficiente combate à inflação desde o início da década, o milagre da Argentina está com os dias contados.
E quem vai contá-los será a autoridade monetária dos EUA. A sobrevida do plano de estabilização depende mais de Washington do que de Buenos Aires.
O deslocamento do eixo de decisões é resultado da principal característica do Plano Cavallo, a convertibilidade do peso em dólar.
Para que esse princípio seja observado, a Argentina é obrigada a seguir a política monetária dos EUA, sob pena de a sociedade desconfiar que um peso não é, afinal, igual a um dólar.
Metida nessa camisa-de-força, a Argentina passou a sofrer os efeitos de uma austeridade monetária estrangeira, aplicada para resolver problemas que não são os seus.
A conta da convertibilidade começou a ser cobrada no início de fevereiro, quando o banco central dos EUA elevou os juros para fortalecer o dólar e afastar pressões inflacionárias.
A Argentina foi duplamente atingida. O fluxo de capital externo minguou (pois o investimento nos EUA tornou-se mais atraente) e, em consequência, a expansão monetária ficou comprometida.
A medida da dependência externa da Argentina é dada pelo grande volume de moeda forte captada desde 1991: foram mais de US$ 33 bilhões, metade dos quais só no ano passado.
As Bolsas dos mercados emergentes refletiram a situação. Quase todas caíram, mas na Argentina a queda foi mais expressiva.
Nos últimos 30 dias, por exemplo, a Bolsa de Buenos Aires perdeu mais de 9%, enquanto a de São Paulo recuou menos de 1%, em dólar.
O governo admite que as perspectivas não são tão boas quanto se pretendia no início do ano. O ministro da Fazenda, Domingo Cavallo, que previa crescimento de 6,5% este ano, já fala em 4,5% –e é considerado otimista.
Economistas independentes estimam que, depois de expandir mais de 25% em três anos, o Produto Interno Bruto aumente entre 3,5% e 4,0% este ano.
E se a economia cresceu, isso não significa que a indústria hoje esteja melhor do que nos tempos de inflação de quatro dígitos.
A manutenção da paridade com o dólar supervalorizou o peso, o que encareceu as exportações e barateou as importações, ameaçando a produção industrial do país.
A balança comercial, superavitária em mais de US$ 5 bilhões em 1989, vem se deteriorando. No primeiro quadrimestre deste ano o déficit atingiu US$ 2,4 bilhões, cinco vezes mais do que no mesmo período do ano passado.
A inflação continua sob controle. Os preços correm por ano a mesma distância que no Brasil é feita em menos de dois dias. Em maio a taxa caiu para 3,4%, o nível mais baixo desde 1953, após o fim do primeiro governo de Perón.
O presidente Carlos Menem quer manter o milagre pelo menos até o próximo ano, quando deve se candidatar à reeleição.
Mas, sem dólares e sem novas estatais para privatizar, é pouco provável que o plano tenha fôlego para aguentar até lá.
A recessão começa a ser vislumbrada. É o que as centrais sindicais vão deixar claro no protesto nacional marcado para 6 de julho.

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