São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994 |
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Moeda chega 3 dias atrasada em Traição
ADELSON BARBOSA
Baía da Traição não tem agência bancária onde possa ser feita a troca de cruzeiros reais por reais. Com 5.362 habitantes, a cidade tem 71% de indigentes, nenhum telefone público, 30 carros e as principais atividades são agricultura e pesca, de acordo com dados da prefeitura e do IBGE. Os moradores de Baía da Traição terão de se deslocar até as cidades vizinhas de Rio Tinto, Mamanguape ou João Pessoa para trocar o dinheiro velho pelo novo. Em outras 95 cidades paraibanas, o real também chegará só amanhã para pagamento de aposentados nos Correios. A prefeita de Baía da Traição, a índia potiguara Iraci Cassiano Soares (PMDB), 50, disse que não tem idéia de como será o real. "Para mim, o real está muito complicado", disse a prefeita, que cursou até o segundo grau e é assessorada por um dos filhos, que também é funcionário da Funai (Fundação Nacional do Índio). Trajando vestido de chita e sandália de couro, a prefeita disse que, mesmo não entendendo a nova moeda, acredita que foi criada "para ajudar Fernando Henrique Cardoso", candidato do PSDB à Presidência da República. Ela disse não ter cruzeiros reais em casa para trocar pela nova moeda e afirmou não saber qual será o valor em reais de seu salário, de CR$ 1,8 milhão. A prefeita também não tem idéia do que fazer com os salários dos 600 funcionários da prefeitura. Os servidores ganham de um quarto a um salário mínimo. As dúvidas em relação à nova moeda preocupam também os pequenos comerciantes, pescadores e aposentados de Baía da Traição. Maria José Bento e seu marido, Severino Bento, 73, vivem de aposentadoria. Ela recebe nos Correios. Ele tem de se deslocar até o Banco do Brasil em Rio Tinto. "Eu não sei nada disso. O que é errevê (URV) e real?", indagou Severino Bento. "Acho que é o dinheiro novo que vai sair", disse Elisa Maria da Conceição, 80, que afirma não saber quanto vai ganhar. A comerciante Lenice Pessoa dos Santos, 49, disse que ouviu "alguém falar" sobre o real. "Quem chegar aqui com esse real, vai ter que me ensinar a vender", afirmou a comerciante, dona de uma barraca de frutas em Baía da Traição. "Não sei porque inventaram isso. Se não souber negociar, eu paro e fecho a barraca." Maria do Desterro Lima Lucena, 48, dona do maior mercadinho de Baía da Traição, disse estar completamente "por fora" do real. Na única praça de Baía da Traição, a nova moeda era o tema das conversas entre pescadores. "Não sabemos como vender o peixe em real", disse o pescador Marcos Antonio de Lima, 43. Para o também pescador Francisco de Assis Maurício, 36, a ausência de banco na cidade dificulta a compreensão da nova moeda. "Aqui todo mundo é pobre e pouca gente tem televisão. O único aparelho de TV que existia na praça desapareceu e não temos como assistir as notícias sobre o dinheiro", declarou. Texto Anterior: BC pode limitar ritmo e volume da entrada Próximo Texto: Veranópolis espera real na poupança Índice |
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