São Paulo, domingo, 3 de julho de 1994
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Rebaixamento do ensino jurídico e universal

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Até com alguma monotonia tenho insistido em escrever que a expressão "essas coisas só acontecem no Brasil" revela desconhecimento, de quem a pronuncia, a respeito do que vai pelo mundo. Lembro disso porque graças ao professor Luis Olavo Batista, titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, tive acesso a uma súmula de disparates cometidos por alunos italianos, tão grandes ou maiores do que os ouvidos nas nossas escolas de direito.
O ensino em geral e o ensino jurídico, em particular, têm passado por um sensível decréscimo de qualidade, tanto entre os docentes, quanto entre os alunos. A deficiência dupla repercute na sociedade, como um todo, pois (assim como a inflação) também a ignorância tem uma força inercial difícil de controlar.
Apesar desse quadro, não sou pessimista quanto ao futuro. O momento atual é de transição. Viemos do ensino elitizado, em que somente uns poucos chegavam a raras escolas superiores. Passamos, em prazo curtíssimo, ao ensino massificado. Isso somente foi possível com o sacrifício da qualidade, muito mais sensível na área jurídica, tendo em vista seu modelo de ensino, da mera aula magisterial, com poucas preocupações estranhas à pura retórica.
Superada a transição, a quantificação ampliará a base, mas tenderá a melhorar aqueles que conseguirem erguer-se acima da mediocridade geral, o que acontecerá em números cada vez maiores.
No texto que Luiz Olavo Batista me encaminhou, preparado por Lina Bibliazzi Geri, sob o título "Metagiurisprudenza", encontrei amostras do grosseiro besteirol que vai por faculdades italianas.
Dou alguns exemplos. O exame de Direito Civil dizia respeito ao direito das coisas. O professor perguntou ao aluno, chamado Paulo: "'Diga-me o significado da imediatidade do direito real?" Como se fosse outro iluminado na estrada de Damasco, Paulo responde: "'Bem, é quando o sujeito tem orgasmo rapidamente!". A outro aluno, para o qual caiu matéria referente a posse, o professor pergunta: "Dê-me um exemplo de injusta imissão de posse." O aluno, impávido, responde: "Acho que é o caso da violência carnal!"
São dois exemplos entre dezenas relacionados na mesma publicação. Casos de ignorância teratológica, muito semelhantes (e até piores) ao de um colega de minha turma na Faculdade do Largo de São Francisco que, perguntado sobre a medida cabível para impedir restrição injusta à liberdade de ir e vir, respondeu que era caso de "interpretar um corpus-christi".
Não nos consola saber que o problema é universal e que as mesmas críticas aqui feitas à qualidade do ensino são repetidas quase que com as mesmas palavras em outros países do mundo. Todavia, podemos mirar-nos nas experiências das nações mais adiantadas até para a adoção de medidas que nos permitam obter o aprimoramento necessário e urgente de escolas, alunos e professores.
Os eventos estrangeiros servirão, ao menos, para impedir que os alunos das nossas faculdades desconheçam conceitos fundamentais, que estão na base do próprio conhecimento jurídico. Lembro a prescrição. Na Itália, o professor pediu um exemplo de direito prescritível. O aluno se referiu, na resposta, ao casamento, para profundo espanto do mestre, que replicou: "Veja bem, que eu pedi exemplo de direito prescritível. Como isso é possível com o casamento?". E o aluno, impávido: "pelo não uso".

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