São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Volta ao mundo numa folha de papel

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Mapas. Com eles nos ajustamos a algo maior do que nós: a paisagem que nos cerca e os sítios que os nossos olhos não alcançam.
Com eles nos guiamos, sem eles nos perdemos. Como a pintura, não passam de uma representação do espaço, o mundo miniaturizado. Objetos conceituais com mais informações do que podemos absorver, os mapas conseguem ser concretos e abstratos, sintéticos e detalhistas, úteis e decorativos, científicos e artísticos.
Só o homem primitivo, de um mundo geograficamente limitado, conseguiu sobreviver sem eles. Era tão pouco o que precisava saber -onde morar, onde pescar, onde caçar- que sua memória dava conta de tudo.
Mas à medida que os horizontes se expandiam, os mapas mentais foram sendo substituídos por anotações gráficas esculpidas em pedras, madeiras e pedaços de ossos. Assim fizeram os esquimós, os beduínos e os polinésios.
Se bem que a representação dos acidentes geográficos tenha se aprimorado com os egípcios, babilônicos, chineses, astecas e incas, a cartografia acabou sendo, como a filosofia, uma arte grega.
As razões para isso podem ser encontradas nos relatos de Homero: como os fenícios, os gregos -Ulisses, Jasão e os argonautas- viajavam paca. E no papel colonizador exercido pela cidade de Mileto, cinco séculos antes de Cristo.
Sozinha, Mileto fundou 40 cidades-estados. Principal centro de especulação cosmográfica e estudos geográficos da época, vivia de exportar conhecimento, mercadorias e outras comodidades.
Ali nasceu o mais célebre Tales da Grécia, pai da filosofia natural, cujo discípulo Anaximandro teria sido o primeiro sujeito a confecionar um mapa digno deste nome.
Também Hecateus era de Mileto. Foi de sua lavra o primeiro livro de geografia de que se tem notícia. Nele, a Terra ainda era uma planície oblonga, cercada por um cinturão oceânico.
Ptolomeu, outro grego, só entraria em cena mais tarde, com os oito volumes da "Geographia", compêndio de tudo aquilo que então se sabia a respeito da Europa, Ásia e África.
Mestre sobretudo em astronomia, espalhou suas luzes a partir da Alexandria e teve seu trabalho como geógrafo e cartógrafo facilitado pelas informações recolhidas "in loco" por aventureiros, militares e historiadores do porte de Heródoto e Xenofontes.
O pai do atlas
Devemos tanto aos gregos em matéria de geografia que até fomos buscar inspiração no Olimpo para o que afinal se consolidaria com o nome de atlas.
A idéia partiu de um holandês do século 16, Gerardus Mercator, que gravou no frontispício de uma coleção de mapas a figura do titã condenado a manter os céus suspensos sobre a cabeça. Diversos cartógrafos adotaram o deus grego como mascote e logotipo. E o nome pegou, como gilete e xerox.
Grandes fazedores de mapas produziu a Holanda. Mas não ficavam atrás os demais países europeus empenhados em conquistas além-mar. O que explica a fama de portugueses como Pedro Reinel e Lope Homem, tidos como sucedâneos de Vasco da Gama, Fernando de Magalhães e Cabral no campo da cartografia.
Não tem por onde: os melhores mapas são privilégio das potências que costumam ir mais longe. Nos sete mares e, de uns tempos para cá, no espaço. Americanos, soviéticos e ingleses não passaram a dominar essa área por acaso.
Tintim e 'Casablanca'
Uma ampla história dos mapas e suas influências seria tão grandiosa quanto as histórias da arte e da literatura. Nela entraria um bocado de gente, inclusive de outras esferas do conhecimento e da cultura, pois mapa é coisa que a todos fascina, independentemente do seu lado utilitário.
"O que menos importa num mapa são os acidentes geográficos". Comentários deste tipo são muito comuns entre aqueles que colecionam mapas como quem coleciona quadros. Para estes, a cartografia -a antiga, pelo menos, sujeita a imprecisões que as fotos de satélite reduziram a zero- pertence mais ao ramo das artes plásticas que ao da ciência.
O cineasta e artista plástico inglês Peter Greenaway subscreve esta tese e até já fez um curta e um quadro ("A Walk Through H") para expressar seu enlevo pelos sortilégios da cartografia.
Greenaway por certo teria um lugar na história dos mapas. Como teriam, para ficarmos no âmbito das artes plásticas, Jan Vermeer (que não só gostava de estampar mapas no fundo de suas telas como retratou numa delas um anônimo cartógrafo holandês), o genial cartunista Saul Steinberg (autor de mapas imaginários e outras reinações topográficas mundialmente celebrizados sob a forma de pôster), e até mesmo a pintura miniaturista de Van Eyck e Bruegel.
Em outros capítulos, encontraríamos menções a criadores de mundos fantasiosos (Swift, Coleridge, Jules Verne, Robert Louis Stevenson, H. Rider Haggard, Edgar Rice Burroughs, James Hilton, Borges, Calvino etc) e heróis como Gulliver, Nemo, Tintim, Asterix e Indiana Jones, que sem mapa não seriam ninguém.
Filmes, sobretudo os de aventuras, encheriam algumas páginas, com destaque para aqueles que já nos créditos se rendiam à autoridade didática dos mapas e ao seu charme visual. Se houvesse espaço para apenas uma ilustração, os de "Casablanca" teriam preferência.

Texto Anterior: Paulistano erra capital e ignora vizinho
Próximo Texto: 'The Times' gastou 5 anos de pesquisa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.