São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ensaios discutem humanidades em Freud

MARIA ISABEL P. LIMONGI
ESPECIAL PARA A FOLHA

O livro recém-lançado pela Imago, reunindo um série de artigos de Antonio Gomes Penna, tem certamente um título sugestivo: "Freud, as Ciências Humanas e a Filosofia". Ninguém duvida de que estes três discursos se entrecruzam e que a forma deste entrecruzamento merece comentário. Resta ainda o trabalho de pensar e delimitar o lugar ocupado pela psicanálise entre as "humanidades". De um lado, não faltam exemplos do modo como a filosofia e as ciências humanas se apropriaram de Freud a partir de redes teóricas que lhe são incompatíveis; do outro, é o próprio Freud quem se apropria de outros discursos, pretendendo reduzir a metafísica à metapsicologia e fazer da psicanálise a principal chave de compreensão do homem. Nas duas direções, tais pretensões terminaram por causar um verdadeiro curto-circuito na relação entre a psicanálise, as ciências humanas e a filosofia.
O livro de Penna, contudo, não nos ajuda a esclarecer a série de mal(ou bem)-entendidos envolvidos nestas conflituosas relações. Limita-se a constatar o fato de que Freud tem a ver com Rousseau, Marx ou Lévi-Strauss, diferindo aqui e ali de Kant ou Vernant.
Chega mesmo a enfastiar o leitor, como em "Nietzzsche e Freud", em que longas citações de Nietzsche, intercaladas por breves comentários exaustivamente repetidos, desembocando na já esperada e magra conclusão: tem a ver com Freud.
O vazio desta fórmula não constitui, porém, o maior problema do livro. Passeando pelos mais diversos autores, na maior parte das vezes citados de segunda mão (as referências a Marx, por exemplo, no artigo "Psicanálise e Alienação", remetem ao "Dicionário do Pensamento Marxista" de Petrovic), o texto de Penna se constrói como uma colagem de citações e é, ele mesmo, um curto-circuito de discursos dissonantes.
Um exemplo, entre muitos: em "Freud e Kant", Penna nos apresenta, via citação de um comentador, uma crítica à autonomia moral do sujeito kantiano. Esta crítica de tom heideggeriano ("no domínio prático o sujeito parece não ser mais abertura", diz o comentador) lhe serve como exemplo de "dificuldades envolvendo alguns dos conceitos produzidos pelo filósofo de Kõnigsberg" que nos ajudam a compreender "o exato significado" da interpretação freudiana do imperativo categórico.
Segue-se então uma longa citação de "O Ego e o Id", em que o superego é apresentado como o fundamento da moralidade. Em nenhum momento Penna se preocupa em esclarecer no que a dificuldade apontada anteriormente tem a ver com a perspectiva freudiana. Aqui, como em muitas outras citações sobrepostas, caberia simplesmente dizer: não tem a ver.
Apenas em um artigo Penna parece se dar conta da dificuldade do tema que tem em mãos. Trata-se de "Psicologia e Psicanálise" em que propõe, com acerto, que a possibilidade desta distinção depende de que saibamos o que é a psicologia e que psicologia se pretende distinguir da psicanálise.
Isto é, depende de que saibamos a partir de que ponto estabelecemos diferenças e semelhanças entre os discursos. Sua proposta de que a distância entre psicologia e psicanálise talvez não seja tão grande quanto por vezes se pensou pode servir como pista para compreendermos a fraqueza de seu livro. Como reduzir tais diferenças sem dispor de um ponto de vista que permitisse articulá-las?

MARIA ISABEL LIMONGI é professora de filosofia na UFPR (Universidade Federal do Paraná)

Texto Anterior: O que nasce do cano de uma arma
Próximo Texto: Contos eróticos das Arábias
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.