São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
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Roberto Campos lembra participação aos 27 anos

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

Hoje com 77 anos, ele estará voltando pela primeira vez ao lugar que, em sua memória, é "um lindo cenário de montanhas". Boas recordações? Muitas. Mas, no fundo, uma grande tristeza.
"É triste quando penso nisso. Já morreu quase todo mundo, é melancólico, uma desgraça", queixa-se Campos.
Ele tinha 27 anos e, como funcionário da embaixada brasileira em Washington, era secretário da missão brasileira em Bretton Woods. Mas, como entendia de economia, acompanhava o chefe da delegação brasileira, Eugene Gudin, às principais reuniões.
Esteve assim com o astro da conferência, lorde Keynes –"um sujeito sutil, bom expositor, muito persuasivo", conta Campos. A delegação britânica era a mais forte em termos intelectuais, embora outros participantes tivessem dela uma opinião algo debochada.
Corria uma piada segundo a qual Keynes era inteligente demais para ser consistente; Dennis Robertson, outra estrela, era consistente demais para ser inteligente; e Lionel Robbins, o terceiro nome de prestígio, não era nem inteligente nem consistente.
No que se refere a Robbins a piada era injusta, diz Campos. Lembra que Robbins foi o patrocinador e durante muitos anos diretor da importante London Business School, até hoje um centro de excelência no estudo de economia.
Castidade
Incluindo os delegados e o pessoal de apoio, estavam no Grand Hotel de Bretton Woods pouco mais de 300 homens. Na época não havia mulheres diplomatas ou economistas. E os casados não podiam levar suas mulheres.
O pessoal dizia que essa era a principal estratégia do presidente da conferência, Henry Morgentaun. Campos lembra-se da piada contada nos corredores do hotel: "Esse judeu sabe que 300 homens juntos, depois de 20 dias sem mulher, vão assinar qualquer coisa".
Houve uma única exceção. Lorde Keynes foi autorizado a levar sua mulher, a dançarina Lídia Lokopova, "uma loirinha miudinha e saltitante", lembra-se Campos.
Foi uma curiosa exceção. Como comentavam os participantes da conferência, a exigência de castidade não foi descumprida. Keynes era conhecido homossexual.
Terceiro Mundo
Eugene Gudin era muito respeitado, relata Roberto Campos. O representante brasileiro ganhou o apoio de Keynes para a proposta de criação de uma organização internacional de comércio que cuidasse dos problemas dos países do Terceiro Mundo.
A conferência de Bretton Woods estava programada para criar duas organizações, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. O Fundo estaria encarregado de cuidar do balanço de pagamentos dos países e da taxa de câmbio. E o Banco Mundial cuidaria da reconstrução e do desenvolvimento no pós-Guerra.
Mas os países do Terceiro Mundo, todos então com economia de monocultura, tendo, cada um deles, um único produto importante de exportação, precisariam de uma organização específica. Essa instituição deveria tratar de preços desses produtos, quotas de exportação, garantias, subsídios etc.
Keynes concordou com a idéia. Mas, na reunião com Gudin, disse que seria impossível a façanha de criar três entidades internacionais numa única reunião. Se criar duas já estava difícil...
Assim, a organização de comércio para o Terceiro Mundo ficou para uma outra conferência, realizada em Havana em 1947. Roberto Campos também foi a essa conferência, que lhe traz outra tristeza. "Dessa, só restam dois sobreviventes", conta.
Além disso, aquele encontro só deu o resultado esperado por Gudin em dezembro de 1993, com a criação da Organização Mundial de Comércio. Da conferência de Havana saiu apenas o Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), que interessava mais aos países desenvolvidos.

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