São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
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EUA vacilam sobre invasão do Haiti

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

O caso a favor da invasão do Haiti pelos EUA é um dos mais contraditórios da história recente da política externa americana.
Os liberais defendem a intervenção militar para restaurar o presidente deposto Jean-Bertrand Aristide, mas ele se opõe.
Os conservadores são contrários mas acham Aristide um socialista perigoso e ficariam mais tranquilos se ele nunca voltasse ao poder.
A bancada negra no Congresso dos EUA apóia a invasão mas se o governo Clinton optar por ela, sua única motivação real terá sido o desejo de pôr fim ao fluxo de quase 5.000 haitianos negros, miseráveis e ignorantes que a cada semana tentam entrar no país.
O Haiti é o país mais pobre do hemisfério ocidental e conta a maior incidência per capita de Aids no mundo, fora da África.
Os EUA não têm interesses econômicos ou militares estratégicos ali. Nada, exceto o idealismo de defender a democracia ou o pragmatismo de interromper a sangria de imigrantes indesejáveis, justificaria a invasão.
As dificuldades militares são mínimas. Apesar da petulância dos líderes militares haitianos, suas Forças Armadas se reduzem a 7.000 soldados com pobre treinamento e pouca munição.
A Força Aérea do Haiti é composta por dois aviões de treinamento que raramente têm condições técnicas de vôo. A Marinha dispõe de quatro barcos de patrulha. A infantaria pesada são seis carros blindados leves.
Não chega a ser uma oposição assustadora para a única superpotência do mundo. Mas na Somália, um país ainda mais pobre do que o Haiti e que nem governo central tinha quando foi invadido pelos EUA, as tropas americanas sofreram 43 mortes, tiveram 177 feridos e voltaram para casa após dois anos sem ter cumprido sua missão.
A humilhação na Somália influiu decisões militares norte-americanas no Haiti. Como em outubro do ano passado, quando 200 fuzileiros navais que se preparavam para desembarcar em Porto Príncipe retornaram a suas bases porque um bando de arruaceiros civis os esperavam no cais.
Os americanos faziam parte de forças internacionais que iriam dar garantia ao retorno de Aristide ao Haiti nos termos de acordo assinado pelos militares em julho de 1993 nas Nações Unidas.
Esse acordo, como outros, nunca foi cumprido pelos militares haitianos, que têm desafiado a comunidade internacional.
Desde setembro de 1991, quando Aristide foi deposto, o Haiti tem sido o alvo de sucessivos boicotes econômicos determinados pela Organização dos Estados Americanos e pela ONU.
O governo dos EUA tem se empenhado para que essas sanções funcionem. Em outubro de 1993, quando um boicote mundial de combustível foi ordenado pela ONU, a Casa Branca avaliou que o governo do Haiti não aguentaria seis meses. Já se passaram nove e os militares haitianos se mantêm.
A administração Clinton ainda não se decidiu pela invasão. Mas parece estar falando sério quando diz que ela é uma opção possível.
Pelo menos os planos para retirar os 5.000 americanos que vivem no Haiti estão prontos para ser executados a qualquer momento.
Em 1965, fuzileiros navais americanos fizeram operação similar na mesma ilha de Hispaniola, mas no lado oriental, na República Dominicana. Dias depois da saída dos civis, 25 mil soldados dos EUA invadiram o país.
Os líderes militares haitianos preferem acreditar em outra lição da história: a de maio de 1963, quando o governo Kennedy colocou dezenas de navios em frente à costa do Haiti e ameaçou tomar o país para acabar com a ditadura de François Duvalier mas, meses depois, esqueceu o assunto.

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