São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
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Livro põe crise italiana no divã

JUAN ARIAS
DO "EL PAÍS", EM BARCELONA

Centenas de deputados italianos já passaram por seu divã. Os políticos que hoje estão sendo processados confessaram suas depressões, suas angústias, seu medo terrível de acabarem na cadeia e até mesmo seus desejos suicidas a Piero Rocchini, que durante nove anos (até 92) foi o psicanalista oficial do Parlamento italiano.
Enquanto trabalhou em silêncio, na sombra, foi respeitado, procurado e amado.
Foi só quando decidiu levar a público –evidentemente sem dar nomes aos bois– o drama psicológico dos representantes dos italianos no Parlamento que a ira do poder caiu sobre Rocchini. Foi demitido.
Ele então resolveu escrever suas experiências e analisar a crise política no livro "A Neurose do Poder". A obra foi elaborada com a ajuda do Centro de Estudos Psicossociais de Roma.
"Se eu abandonar a política, o que será de mim? Que mais eu poderia fazer?", lhe dizia um deputado, deitado em seu divã, de olhos fechados e tremendo como uma criança. E acrescentava: "E imagine o senhor, doutor, que bastava eu dizer uma palavra para ter todo mundo a meus pés, tremendo".
"Os deputados que viam o poder escapar de suas mãos vinham a mim como pássaros enlouquecidos que não sabiam nem onde estavam nem quem eram", conta Rocchini.
Ele tentou resolver suas síndromes de narcisismo ferido, de onipotência em queda, procurando devolver a eles a paz perdida e ajudando-os a colocar os pés no chão.
Assediado pelos jornalistas para que revelasse nomes e algum segredo de seus pacientes italianos, o psiquiatra, sempre sorrindo porém impassível, respondeu elegantemente: "De modo algum".
Rocchini disse em entrevista que a doença psíquica dos políticos italianos advém do fato de terem concebido os partidos políticos como uma grande "mamma" toda-poderosa, que pensa em tudo, dá tudo a seus "filhos", desde que estes façam apenas o que ela manda; uma "mamma" que infunde o medo neles, como se dissesse: "O que seria de você sem mim?"
Como prêmio pela fidelidade, disse Rocchini, o partido-mãe permitia ao político-filho fazer o que quisesse, "dando a ele a ilusão de ser onipotente e permitindo-lhe o luxo de olhar para os outros como se fosse superior a eles".
O resultado disso: "Um deputado que passou pela humilhação de ser preso me confessou numa sessão psicanalítica: 'Na cadeia eu abri os olhos e compreendi que havia esquecido como é a vida real das pessoas e que nós também precisamos respeitar suas leis' ".
Essa concepção de partido-mãe seria apenas fruto do clássico "mammismo" italiano? "Eu diria antes que é fruto dessa concepção de mãe mediterrânea (não apenas italiana) sempre choca, que oferece tudo desde que você não negue nada a ela".
Agora que Rocchini foi expulso do Parlamento, um número cada vez maior de políticos e ex-políticos bate em sua porta, para que ele cure seus fantasmas de bonecos quebrados.

Tradução de Clara Allain

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