São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
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Favas contadas

CAIO TÚLIO COSTA

A chatice da propaganda eleitoral na televisão começa dia 2 de agosto, daqui a duas semanas. Como, em política, uma semana é muita coisa, tudo pode mudar. Nada impede que Lula caia ainda mais ou que volte a crescer nas pesquisas. Fernando Henrique pode disparar e passar à frente, ou recuar ainda mais e Quércia surgir com mais pontos. Azarões em corridas presidenciais, como Brizola e Enéas, podem despontar e mexer na rotina das bolsas de valores que até aqui sobem no compasso das elevações de Fernando Henrique nas pesquisas.
Tudo isso poderá ocorrer não só por causa da televisão mas também por sua causa –grifei também em homenagem aos fósseis marxistas que consideram-na a palavra mais dialética.
Mas eu ia falando do tédio da propanganda eleitoral, que este ano será pior. Como os candidatos estão impedidos, por lei, de abusar da parafernália eletrônica, das imagens de comícios e dos truques com computadores, vai ser dose aguentá-los por inteiro, aquelas caras eternamente bolachudas falando diretamente com o eleitor, aquele papo pseudo-sério tipo olho no olho. Bem, o brasileiro se acostuma com tudo.
É por isso que me sinto à vontade para fazer um pedido para que cada eleitor começe a trabalhar já o seu voto na busca da única resposta que vale a pena procurar num candidato.
Por incrível que pareça, a pergunta a ser feita é uma só. Antes, uma constatação: nós, brasileiros, fomos lançados numa mudança eleitoral de moeda. Com estoicismo, na mais completa das ordens, sem reclamar nem piar, sem a menor complicação, todos nós trocamos nosso dinheirinho, fizemos e refizemos as infindáveis contas do aluguel, calculamos perdas salariais sem reclamar e sustamos o arredondamento do preço do pãozinho. Agora, vamos em frente, segurando o consumo, acreditando nos números da poupança, evitando o cheque especial, na expectativa, sempre com a mesma última esperança de que agora dê certo, sempre entupindo de dinheiro os governos que cobram impostos escorchantes e nada devolvem em benefício. Êta brasileiro bom, meu Deus!
A pergunta aos candidatos é uma só: o que cada um pretende fazer, de efetivo, com a nova moeda, o Real? Não basta o Fernando Henrique dizer que vai dar sequência ao plano porque ele o criou. De nada adianta o Lula prometer ofensiva contra o Real e, ao mesmo tempo, dizer que manterá o Real como moeda. Não funciona o Brizola vir com as evasivas negativistas de sempre e o Quércia fingir que a coisa não é com ele.
Queremos saber como vai ficar a moeda a partir de janeiro do ano que vem, o que cada um pretende fazer com as tarifas, com o dólar, com as reservas cambiais do país, com o Banco Central, com a mania nacional de emissão exagerada de moeda. Queremos saber de cada um, tintim por tintim, o que pretende com essa moeda caso seja eleito.
Em miúdos: o brasileiro continua esperançoso mas permanece no escuro. Caso não se consiga clarear alguma coisa já, resta o consolo de que, em campanha eleitoral, não existem favas contadas.

Ilustração: Detalhe de "O Rei de Favas", 1638, de Jacob Jordaens

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