São Paulo, domingo, 17 de julho de 1994
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SATISFAÇÃO GARANTIDA

Por Maria Ester Martinho

MARIA ESTER MARTINHO
FOTOS ROCHELLE COSTI

\<FT:"MS Sans Serif",SN\>Andréa se debruça no terraço do Copacabana Palace, onde se hospedou para comemorar o aniversário de 30 anos, em 93
Crédito Foto: Rochelle Costi/Folha Imagem
Observações: COM SUB-RETRANCAS
Assuntos Principais: ANDRÉA BELTRÃO; PERFIL
SATISFAÇÃO GARANTIDA
Com seu dom raro de elevar os índices de visibilidade de qualquer cena de novela, Andréa Beltrão conquista nove entre dez diretores globais, recebe convites incessantes e quebra um recorde de permanência no ar: nos últimos 18 meses, só esteve fora da tela dois. À fase profissional quente, soma uma era de preservação pessoal: prefere passar o fim-de-semana na cama à ansiedade da vida social. "Não sou mais moderna", resume

Parece ironia. A era, na TV, é de caras novas. A cada seis meses, um novo contingente teen marcha para a tela –em quantidade suficiente para rechear o elenco de dez produções globais. No entanto, ainda não se encontrou fórmula de "casting" capaz de dispensar o talento. Aquela coisa que confere a qualquer cena de novela um índice satisfatório de visibilidade –e que alguns, como Andréa Beltrão, têm.
A história recente da atriz é prova disso. No último ano, enquanto a geração novidade se esfalfava em oficinas para atores e vivia a glória rápida de ser parte do fenômeno do momento, Andréa esquecia os períodos que costumava dispor, entre uma novela e outra, para "descansar a imagem". A instituição, sagrada nos contratos entre a Globo e suas estrelas, deu lugar a um "boom" de convites, vindos de todos os núcleos de ficção da rede. Resultado: desde janeiro de 93, há exatos 18 meses, não pára de trabalhar. Mais: dos últimos 18 meses, só esteve fora do ar dois. Um recorde –sobretudo para uma emissora com tantos recursos. "Eram convites irrecusáveis", diz a atriz.
A temporada de atividade encerrou, nos primeiros minutos, uma tentativa de parada. No fim de 92, depois de desincumbir-se de Úrsula –a louca varrida que fez em "Pedra sobre Pedra"–, Andréa se dispunha a usufruir da vida doméstica em São Paulo, para onde se mudou depois de conhecer o atual marido, Rogério Gallo. Descansava sobre os louros de sua principal glória até ali –Zelda Scott, a repórter bígama de "Armação Ilimitada", sumida desde 1988 mas jamais esquecida.
O idílio durou pouco. Em dezembro de 92, aceitou o convite do diretor de "Mulheres de Areia", Wolf Maia, para trabalhar na novela; pouco depois, disse sim ao trio Miguel Paiva, Walter Lacet e Marcos Paulo, que não queriam ouvir falar em outra pessoa para viver a Radical Chic na TV; antes que o programa saísse do ar, foi chamada por Carlos Manga, que dirige o núcleo das minisséries, para "Madona de Cedro" –e voltou à seara de Wolf Maia na novela "A Viagem", no ar desde abril.

Ainda no primeiro semestre, gravou o caso especial "Suburbano Coração", com Guel Arraes, maestro de "Armação" e seu primeiro marido –ficaram juntos de 83 a 89. O programa, em que vivia uma romântica descabelada, teve a primeira exibição cancelada na hora agá –consta, para evitar a "superexposição" da atriz. Não cabe à dona da própria nenhuma parte na decisão. "Superexposição não é uma questão para mim", diz. "Eu gosto. Se não gostasse, não seria atriz, nem faria o que faço com tanto empenho".
Tomada àquela altura, a medida tinha algo de risível. Durante as primeiras semanas de abril, Andréa chegou a aparecer na tela da Globo três vezes ao dia, todo dia: no começo da tarde, na reprise de "Rainha da Sucata", de Silvio de Abreu; às 19h, em "A Viagem"; e às 22h30, em "Madona de Cedro". Se tivesse "que queimar o filme" –na expressão tão cara aos habitantes do Rio de Janeiro, cidade em que voltou a morar quando a maratona profissional apertou–, já o teria queimado antes da quarta aparição diária.
Aconteceu bem o contrário. De todas estas empreitadas, saiu-se bem até na única que teve cara de fracasso –o programa teen diário "O Jogo da Radical Chic". Sua recriação da irônica balzaquiana de Miguel Paiva era sempre ressalva nas críticas impiedosas que o programa recebeu. Com as novelas e a minissérie, provou que seu carisma transcende o âmbito dos personagens compostos em registro de história em quadrinhos –como Zelda e a própria Radical– e se estende aos tipos tridimensionais. Provou mais: que é possível trafegar, sem perda de identidade e/ou popularidade, entre os núcleos da Globo preocupados em experimentar e os perpertuadores do feijão-com-arroz da casa.
O compromisso com estéticas determinadas é, em seu caso, uma questão menor –se comparada à paixão que tem por seus personagens e a vontade de "alcançar" o público. "Gosto deste trânsito. Se fizesse só novela ou só programa ou só minissérie, ficaria infeliz". É certo, também, que trabalharia menos, o que não combina com sua sensação de que há muito a fazer, na TV. "Quero mexer com as pessoas que estão me vendo. É minha pretensão –e é muita pretensão. Muitas vezes não consigo. Quando consigo, é um grande prazer", diz. Sua relação com o público se intensificou no último ano, mas os fãs mantiveram a compostura. "As pessoas me param na rua, me pedem autógrafo, mas é sempre numa boa", diz. "Só me sinto invadida quando estou comendo e me interrompem". Depois de uma pausa, acrescenta: "E às vezes as pessoas ficam decepcionadas por eu ser tão normal".

O momento "quente" na área profissional promete se estender. Tanto que deixou de fazer planos. Quando a fase mudar, pensa em 1. ter um filho; 2. viajar; 3. montar uma peça. Ansiedade é mal de que já sofreu, acha, o suficiente. "Abdiquei de me planejar. Antes, era muito ansiosa com meus planos. Me impunha tarefas e me obrigava a executá-las. Me dizia faça isso, faça aquilo, não vai ficar deprimida, não vai ficar na cama lendo... Era um sargento de mim mesma", conta. "Agora, faço o que dá para fazer. E se estou no carro e vejo que vou me atrasar para o próximo compromisso, não corro mais por isso".
Mais: nos últimos meses, deu à "galera de baixo poder aquisitivo das redondezas" duas caixas cheias de roupas que não usava –peças improváveis, adquiridas nos surtos de consumo compensatório dos tempos da ansiedade– e se desobrigou de "aproveitar" toda e qualquer ocasião social. "Não vou a lugar nenhum à noite, odeio estréia, não vou à estréia de ninguém, só vou à minha porque sou obrigada. Não sou mais moderna".
Não é só o prazer de suas muitas realizações que aplaca a ansiedade e traz a mudança. É também uma avassaladora perda pessoal. Há quatro meses, seu único irmão, de 19 anos, morreu subitamente, de aneurisma cerebral. A depressão, antes sempre adiada, levantou a cabeça. "Percebi que o tamanho da minha tristeza é proporcional ao da minha alegria de viver", diz. O remédio, imagina, é manter o eixo. "Pelo menos na minha vida, a banda vai tocar a minha música". Fins-de-semana de retiro em casa –um belo apartamento na Urca, de frente para o mar e os barquinhos– são uma de suas panacéias. A outra é o trabalho –que proporciona o que diz precisar: "estar em movimento".
Com a inocência, foram-se alguns males. Quando era criança, sofria porque se achava "diferente de tudo". A estranheza foi incorporada e virou qualidade: "Adoraria ser aquela beleza unânime, ser linda, sempre linda. Mas não sou isso e não sou só isso. Eu tenho cara de atriz. Posso ser lindona, posso enfeiar. Isso é uma coisa maravilhosa". Também a paranóia foi para o devido lugar. "Antes, seu eu me via na TV e me achava ruim, isso era sofrimento para três, quatro dias", diz. "Hoje, quando acotece isso, faço minha autocrítica e assunto encerrado. São cinco minutos. Não me levo mais tão a sério e não dou mais tanto espaço para minha paranóia".
Também não se acha mais maluca quando, de repente, cai em prantos –depois de ver algo indefinível em alguém que, por algum motivo, mexeu com ela. "Descobri que isso é uma coisa minha. Eu tenho essa capacidade de sair do meu campo e pousar no campo do outro –depois voltar e contar o que vi", explica. "Acho que sou atriz por isso".

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